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domingo, 31 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XVI


As obras da 
CARNE
(Sinais da velha maneira de viver)


1. A liberdade alcançada pelo resgate de Cristo não significa ausência de conflitos, principalmente, no aspecto interior da vida e dos pensamentos. Paulo chama esses conflitos de ‘luta’, traduz nossa expressão “agonia”, no sentido de esforço para ‘tomar o controle’. Estão em ação nessa luta duas influências opostas: de um lado, a ‘carne’, que é a inteira natureza terrena do homem, sua sensibilidade e razão, e do outro o ‘Espírito’, que é aqui o Espírito Santo, o agente da santificação na vida de cada cristão.

2. Os aspectos produtivos do desejo pecaminoso dos homens, sejam eles cristãos ou não, são chamados por Paulo de “obras da carne” (5.19). A natureza humana pecadora deseja manifestar-se em todos os momentos, daí a exigência de perceber o perigo real de cairmos em tentação e, assim, “não fazermos o que queremos” (5.17).

3. As palavras empregadas por Paulo em Gálatas não têm a pretensão de resumir a ação pecaminosa apenas nestes termos, sendo, antes, expressões deste comportamento carnal num contexto particular. Listas de pecados semelhantes podem ser encontradas em Romanos 13, 1Coríntios 3, Efésios 5, Colossenses 3 e 1Pedro 4.

4. Uma outra descoberta interessante é que para as “obras” (plural, no texto grego original) da carne existe em contrapartida o “fruto” (singular, no texto grego original) do Espírito, que trataremos no capítulo seguinte.

5. As obras da carne assim se mostram na vida do cristão, caso ele se deixe vencer pelo desejo interior pecaminoso: primeiro, aquelas que estão relacionadas com a impureza interior: “prostituição”, “impureza” e “lascívia” (5.19).

6. Muito cedo na história do povo de Deus a palavra ‘prostituição’ ocupou papel de destaque. Convém notar que, primitivamente, ela esteve relacionada com a religião – tratava-se de “prostituição” cultual (2Reis 23.7), ou seja, infidelidade para com Deus (Jr 3.6-9; Os 1.2b; 4.2). Paulo fez uso de 3 palavras gregas para falar de prostituição a partir do Novo Testamento: porneia (prostituição), akatharsia (impureza física e de intenções e motivos) e aselgueia (lascívia, licenciosidade, atitude impudica).

7. ‘Porneia’ (prostituição) é substituída em alguns manuscritos antigos por outra palavra grega que significa “adultério” ou fornicação, sendo portanto, sinônimo de relações sexuais ilícitas. ‘Akatharsia’ (impureza) é ser motivado por uma intenção maldosa, maliciosa. É geradora de uma vida licenciosa, desregrada e luxuriosa, como parece comportar-se a geração de nosso século. ‘Aselgueia” (lascívia) está mais ligada aos procedimentos escandalosos contra a decência pública, como palavrões, movimentos corpóreos indecentes (como aquelas que o ‘funk’ apregoa e os jovens repetem desde a mais tenra idade em determinados contextos – por exemplo, a tal “boquinha da garrafa” ou mesmo os movimentos dos cantores de Rock and Roll, insinuando o ato sexual).

8. Em lugar da palavra ‘prostituição’ foi cunhada uma outra, ligada à palavra ‘eros’ – amor – mais amena: falo do ‘erotismo’ (paixão amorosa, amor sensual, lascivo), inclusive nos cultos cristãos, em que os cânticos levam os adoradores à experiência sensual e em que não se faz menção ao amor altruísta e ilimitado de Deus. O resultado é o desastre de perceber que o perdão não faz parte da prática cotidiana (pois é fruto do amor de Deus), mas canta-se a paixão por Jesus” ou o desejo de “tocar” nele. Segundo o escritor Lipovetsky, esta faceta erótica é chamada de narcisismo hedonista (o prazer pessoal acima de tudo).

9. O segundo grupo de palavras é “idolatria” e “feitiçaria” (5.20a), palavras que estão relacionadas às atitudes errôneas dos homens em relação a Deus. A idolatria é, à época de Paulo, um perigo constante, pois são milhares as divindades existentes. Também, na Ásia (Província romana em que estava situada a Galácia) funcionava um dos maiores centros de promoção do culto ao imperador. Em alguns contextos, como na cidade grega de Corinto, as sobras das carnes sacrificadas a ídolos eram vendidas nos açougues das praças, causando problemas para os cristãos recém-convertidos que sabiam da procedência da carne. A feitiçaria sempre esteve associada à idolatria no mundo antigo. A palavra grega deu origem à palavra ‘farmácia’ em nossa língua, pois os feiticeiros usavam ‘drogas’ em seus encantamentos. A indústria musical é um exemplo de produção de idolatria e dessa capacidade de “enfeitiçar”, de adormecer o homem real, com problemas reais, nas causas sociais. Algumas letras me vêm à mente, em que são usadas imagens mundanas para falar do relacionamento com Deus: “Pai, olha para mim, estou aqui desesperado por mais de ti” (assim fica o dependente químico, antes da próxima dose); “embriagado de amor” (pergunto: o amor de Deus embriaga, inebria, tira a consciência?!) Muitos cultos que se dizem cristãos parecem estar mais para sessões de encantamento do que para atos de culto. Bandeiras da fé, terra de Jerusalém, folhas de oliveira, água benta, tudo que vemos presentes nas reuniões religiosas de algumas igrejas “evangélicas” aponta para aquela atitude supersticiosa ligada a esta obra da carne, a feitiçaria.

10. As demais obras listadas por Paulo estão relacionadas ao comportamento social do homem: a) “inimizades”, b) “contendas”, c) “ciúmes”, d) “iras”, e) “facções”, f) “dissensões”, g) “partidos”, h) “invejas”, i) “bebedices”, j) “orgias” (5.20b,21).

11. Uma tradução das palavras gregas apontaria os seguintes sentidos para as obras da carne acima citadas: a) ter ou manter atitudes de inimizade com pessoas (virar o rosto, falar mal de, tratar mal etc.); b) espírito de contenda, manter viva uma disputa; c) rivalidade gratuita contra alguém, quase sempre movido pela inveja; d) explosões de raiva, com gritos, brigas e insultos; e) espírito politiqueiro, tentativa de estar sempre ganhando vantagem (principalmente com falsos elogios ou elogios insistentes não merecidos); f) jogar uma pessoa contra outra; g) opinar e pautar o comportamento de modo contrário à doutrina prevalecente, muitas vezes conscientemente (por escolha pessoal); h) a inveja propriamente dita, portanto ligada a “ciúmes”; i) intoxicar-se de bebida, embriagar-se; j) participar de festas lascivas ou orgíacas.

12. Estas traduções sugerem alguns comportamentos nossos que precisam mudar? Eis a batalha interior a que Paulo se refere, em que esses instintos pecaminosos cedem lugar ao estímulo do Espírito. te para explicar nossa luta diária para viver segundo o Espírito, em detrimento da satisfação da carne. Trigo e joio crescem juntos, até a hora da colheita. Do mesmo modo, nós, os salvos, acumulamos em nossa experiência humana tanto componentes bons (que devem ser guardados, cuidadosamente)  como ruins (que devem ser evitados, conscientemente). Quem vive para satisfazer as obras da carne é chamado por Paulo pela expressão “homem natural” (do grego, psíquico), isto é, alguém inclinado para os instintos carnais.  Escrevendo aos Coríntios, Paulo diz: “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2.14). Gálatas nos adverte da força destrutiva desses instintos, razão pela qual devemos resistir à sua influência.

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