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sábado, 27 de fevereiro de 2010

A igreja modelo: reflexões sobre como viver e divulgar a fé

Comentário de 1Tessalonicenses


Tomando posse da saudação
Capítulo II
Lendo a saudação sob o prisma de quem fosse escrevê-la ou recebê-la  (1Tessalonicenses 1.1)

1. Fôssemos nós os autores da carta, vale a pergunta: aqueles que nos leem (ou ouvem) conseguem nos identificar como instrumentos de Deus para abençoá-los pela simples menção de nosso nome ou de nossa presença física?

2. A resposta só será positiva se, de alguma maneira, houver um sentimento mútuo de prazer no encontro com o outro. Precisamos encontrar em nosso interior o mesmo prazer que Paulo tinha em comunicar o evangelho, fazendo amizades e nutrindo-as com palavras de encorajamento e de esperança. Na minha época de seminarista, isso chamava “paixão pelas almas”.

3. Três sábados, um auditório que procurava respostas para os dilemas da vida e coragem. Foi tudo o que Paulo precisou para alcançar a conversão de gentios idólatras para adorarem ao verdadeiro Deus. Aprendo, com Paulo, que o evangelho é eficaz, não apenas a médio e longo prazo. Há poder imediato no ato da fé, pois é nesse instante que o Espírito da vida passa a viver em nós e nos vivificar. Às vezes, não temos coragem de nos comprometer a curto prazo com alguém que necessita da Palavra de Deus e deixamos de fazer algo em prol do reino por achar que não há tempo suficiente para que o pecador se arrependa.

4. Outra lição paulina é que o sucesso no reino de Deus depende da “cooperação”.  Servir é um esforço conjunto, um dividir de tarefas e de responsabilidades. Não há lugar para disputas internas, ou para inveja dos dons e habilidades do outro, nem receio de não ser o centro das atenções. Deus poderia fazer muito mais por nosso intermédio se fôssemos humildes para ajudar e, também, pedir ajuda.

5. Isso só acontecerá se pudermos confiar nas pessoas, delegar responsabilidades. Nossa confiança não garante o resultado que esperamos, principalmente, se formos pessoas perfeccionistas. Mas o segredo é saber que “...nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1Co 3.7).


6. O primeiro versículo de Paulo aos Tessalonicenses me ensina sobre a igreja como lugar de reunião. A igreja é uma organização singular, de caráter espiritual, por sua união com Deus pela mediação de Jesus. A igreja de Jesus não tem nada a ver com os relatos novelescos de desafetos entre cristãos, principalmente, na mesma comunidade em que adoram. Refiro-me às acusações mútuas, ao desrespeito, à indisciplina e ao desamor.

 7. Estar em Jesus, ou seja, viver pela fé nele, torna a vida na comunidade cristã um prazer. Afinal, como ensinou Pedro: “...já está próximo o fim de todas as coisas; portanto sede sóbrios e vigiai em oração; tendo antes de tudo ardente amor uns para com os outros, porque o amor cobre uma multidão de pecados; sendo hospitaleiros uns para com os outros, sem murmuração; servindo uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1Pe 4.7-10).

8. Nas entrelinhas das cartas aos Tessalonicenses, lemos sobre mulheres de posição que compunham a comunidade e, com certeza, muito a influenciavam, uma vez que o mundo gentílico vê a mulher de modo diferente do mundo judaico. Muitos de nós, hoje, temos restrições ao papel da mulher no que se refere à obra de Deus, principalmente, o de liderança.

9. Esse pensamento é um resquício da mentalidade androcêntrica da cultura judaica que serve como pano de fundo para a visão da igreja primitiva. À medida que o evangelho avançava, pelas mãos operosas de Paulo e seus companheiros, a mulher foi recebendo de Deus oportunidades iguais de serviço e atuação. A epístola aos Romanos, por exemplo, faz menção de mulheres operosas naquela comunidade. Quantas “Febes”, “Priscas”, “Marias”, “Júnias”, “Trifenas, Trifosas”, “Pérsides” e “Júlias” conhecemos? (Rm 16.1-12,13, 15).

10. Não deve nos preocupar o fato de não sermos perfeitos. Ser “igreja de Cristo” nada tem a ver com perfeição, mas com viver o amor como um estilo de vida. Pena que a maioria dos crentes desaprendeu esse conceito. O modelo do amor que é repetido pela comunidade é o do próprio Cristo, na sua missão salvadora, que exigiu renúncia e sacrifício. A igreja será modelo se nele estiver firmada em amor (Ef 3.17; Cl 2.7).  Logo, a comunhão do Filho de Deus em amor é o alvo da igreja (1Co 1.9).

11. A saudação paulina nos ensina o caminho das pedras: temos um papai querido que não abre mão de cuidar da gente.  Ter Deus como Pai é fundamental, pois, ele é Pai, primeiramente, do Filho Jesus Cristo, o Salvador. Não se pode ter filiação com Deus sem, primeiro, encontrar o Filho, pela fé, e abrir mão deste mundo pecaminoso. João adverte do perigo: “Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele” (1Jo 2.15b).

12. A graça me ensina a confiar e depender, exclusivamente, do “Pai das misericórdias e Deus de toda consolação” (2Co 1.3). A paz de Cristo me isenta da culpa e da dor. Reconstrói o mosaico da minha vida, peça por peça, até formar uma figura completa, inteira, sã, harmônica, a despeito de todas as tribulações e aflições.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A igreja modelo: reflexões sobre como viver e divulgar a fé

Comentário de 1Tessalonicenses
Capítulo I

"Primeiras impressões"
Notas sobre a abertura da carta (1Tessalonicenses 1.1)

1. Um dos fatos impressionantes da abertura das duas cartas de Paulo aos Tessalonicenses é que ele se apresenta pura e simplesmente como “Paulo...” (1Ts 1.1a). Ele não sente necessidade de complementar seu nome com as expressões usuais: apóstolo, servo de Jesus Cristo etc. Isso nos leva a duas conclusões: Primeiramente, Paulo e a igreja em Tessalônica tinham uma relação muito especial; ele era aceito e querido pela comunidade cristã naquela cidade. Segundo, não havia transcorrido muito tempo entre a origem da igreja e a produção da carta. Não transcorreu tempo suficiente para que os adversários de Paulo arregimentassem forças para interferir no trabalho apostólico ali.

2. A breve passagem de Paulo por Tessalônica está relatada em Atos 17, durante a segunda viagem missionária do apóstolo (por volta de 49 a 52 d.C.). Afirma-se em Atos que Paulo e Silas pregam na sinagoga judaica por três sábados consecutivos e muitos gentios se convertem. Paulo e Silas passam a ser, então, perseguidos pela comunidade judaica. Mas o trabalho trouxe frutos: O macedônio Aristarco (do grego “o melhor líder”), habitante de Tessalônica, uma vez convertido, tornou-se companheiro de viagem de Paulo e amigo fiel. Aristarco acompanhou Paulo em viagem para Éfeso (At 29.29), pela Ásia (At 20.4,6) e chegou a ser preso juntamente com ele, por pregar o evangelho (Cl 4.10; Fm 1.24).

3. O processo de escrever cartas contava, às vezes, com colaboradores. Havia secretários e portadores. Inácio de Antioquia, por exemplo, que escreveu cartas às comunidades cristãs no início do século II, orienta o bispo de Esmirna, Policarpo, a enviar andarilhos para contar as novas cristãs às demais igrejas e a enviar epístolas(1). Um exemplo bíblico é Tércio, o secretário de Paulo na redação de Romanos (Rm 16.22).

4. O “andarilhos” citados nessa epístola são “...Silvano e Timóteo” (1Ts 1.1b), companheiros de Paulo em suas viagens missionárias. Para alguns, Silvano (também conhecido no Novo Testamento pelo nome Silas) teria sido secretário (amanuense) de Paulo, principalmente, por causa da possível enfermidade na visão do apóstolo. Mas não há consenso em relação a isso. Silas se faz presente na vida de Paulo desde a decisão do concílio de Jerusalém, onde foi descrito como “profeta” e homem “influente entre os irmãos em Jerusalém” (At 15). Silas acompanhou Paulo no início de sua missão cristã como pregador e foi partícipe de suas prisões e tribulações. Timóteo é o portador da carta aos Tessalonicenses, pelo que indica a frase de Paulo: “Pelo que, não podendo mais suportar o cuidado por vós, achamos por bem ficar sozinhos em Atenas, e enviamos Timóteo, nosso irmão, e ministro de Deus no evangelho de Cristo...” (1Ts 3.1,2a).

5. A carta foi escrita “à igreja dos tessalonicenses” (1Ts 1.1c). Ao usar a palavra grega “ekklesia” (igreja, congregação), cujo significado básico é a reunião de cidadãos gregos para discutir seus negócios, Paulo lhe dá um significado original: refere-se aos cidadãos de Tessalônica que, ouvindo a pregação do evangelho, creram e, assim, foram unidos a Deus por Jesus Cristo.

6. Tessalônica era a capital da província romana de Macedônia. James Denney(2) afirma que a cidade era, naquela época, um importante centro cultural com uma população mista de gregos, romanos e judeus. Silvério Zedda(3) destaca a importância comercial da cidade, graças ao seu porto e suas vias de comunicação. Ela ficava na rota da Via Ignácia, que ligava a província romana da Itália ao Oriente. Atualmente, é chamada Salônica ou Tessalônica, e fica no interior do golfo de Salônica. É a segunda cidade da Grécia em concentração demográfica, perdendo, apenas, para Atenas. Sua população religiosa é de judeus, cristãos e muçulmanos. No decorrer da Idade Média, pertenceu à República de Veneza e, no século XV, ao império otomano. Atualmente, podem-se ver escavações antigas da Ágora (praça) romana nessa importante cidade grega.

7. À época da produção dessa carta, a população da cidade de Tessalônica era, prioritariamente, de gentios, mas contava, também, com uma comunidade judaica bem zelosa da tradição mosaica e que possuía uma sinagoga (At 17.1). Paulo tinha por costume pregar nas sinagogas judaicas por onde passava. Em Tessalônica, os que se converteram, formaram o núcleo da igreja cristã (At 17. 1-13).

8. A religiosidade dos cidadãos de Tessalônica segue o padrão do mundo grego, ou seja, é marcada fortemente pela idolatria (1Ts 1.9). Repercute, também, no que se refere ao papel da mulher na religião cristã, a conversão de “...não poucas mulheres de posição” (At 17.4b) na cidade.

9. No primeiro versículo de 1Tessalonicenses, Paulo descreve a relação de comunhão da igreja com Deus na frase “em  Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1Ts 1.1d). Convém explicar que Paulo procura afirmar a equivalência das pessoas do Pai e do Filho na obra da salvação. Ou seja, Cristo, o eterno Filho de Deus, é o Mediador da reconciliação dos tessalonicenses com Deus. Francis Foulkes comenta a saudação das cartas paulinas dizendo que “escritor e leitores são mencionados a partir do ponto de vista do seu relacionamento com Deus em Cristo.” (4)   

10. Aquela igreja encontrava-se numa atitude espiritual correta, depois de terem se convertido “dos ídolos a Deus” (1.9). O que difere a ekklesia (igreja, congregação) em Tessalônica das demais agremiações ou instituições de caráter coletivo é sua posição “em Deus Pai”. Só a igreja de Cristo ocupa essa posição. Isso fica evidente no versículo 3. A paternidade divina é um importante conceito teológico para o apóstolo Paulo (Rm 8.15,23; Gl 4.5; Ef 1.5). A Primeira Pessoa da Trindade é o autor do plano eterno da salvação. O Filho é o Mediador da aliança. Podemos orar e clamar ao nosso Pai (no aramaico “Aba”, papai querido) pela mediação do Espírito Santo, porque somos seus filhos amados, pela fé em Jesus Cristo.

11. É uma declaração corajosa de Paulo chamar Jesus de “kurios” (do grego, Senhor) (1Ts 1.1e). Numa época em que um império se achava “dono do mundo” e cujo líder máximo se intitulava “kurios”, para atestar sua soberania e status divino, afirmar que Jesus é “Senhor” soava como um ato de traição. Era o mesmo que afirmar que Cristo está acima de todo o principado, e potestade, e poder e domínio. Por essa razão, eram frequentes as ameaças de morte ao apóstolo, pelos cidadãos locais nas províncias romanas onde Paulo pregou. 

12. A palavra grega charein (saudação) era a forma usual de abertura das cartas naquele período. Paulo usa charis (graça, favor imerecido) e eirene (paz) para saudar os cristãos. Gundry (Panorama do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, p. 300) observa que “Paulo combinou a típica saudação grega, em forma cristã modificada (graça) com a típica saudação semítica (paz).” Com isso, destacava a inclinação do favor divino de salvá-los por meio de Jesus Cristo e, também, afirmava a condição de reconciliação com Deus por eles alcançada.


NOTAS:
(1) CASTRO, Roberto C. G. Revista Internacional d´Humanitats 14 CEMOrOc-Feusp / Núcleo Humanidades-ESDC / Univ. Autónoma de Barcelona - 2008
(2) DENNEY, James. The Epistles of the Tessalonians. London: Hodder and Straugh, 1906.
(3) ZEDDA, Silvério. Introdução à Bíblia. Cap. 1: O mundo greco-romano no tempo dos apóstolos. p. 30.
(4) FOULKES, Francis. Efésios: introdução e comentário. São Paulo: Mundo cristão, p. 37.

Livro em fase de publicação















Meu comentário de Gálatas já está em fase de publicação.
Espero que abençoe vocês, meus diletos leitores do blog.
Em breve, pela internet e por encomenda.

Pastor Davi Freitas
JUERP, RJ

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tessalônica, hoje

Antes de começar a escrever sobre a Carta de Paulo, algumas imagens da atual cidade de Salônica:


Era uma cidade, à época, estratégica para a missão paulina na Europa.

Com eles Paulo ficou um bom tempo e fez sólida amizade, como suas palavras demonstram nas cartas que escreveu.


Pastor Davi
JUERP, RJ

sábado, 20 de fevereiro de 2010

COMENTÁRIO DE TESSALONICENSES

Já está em início de produção meu comentário sobre as cartas de Paulo aos Tessalonicenses.

Sigo a cronologia (provável) da produção das cartas em busca do desenvolvimento teológico do pensamento paulino, à medida que as comunidades cristãs foram se formando e sendo orientadas por esse notável missionário do século I .

As postagens acontecerão de dois em dois dias.

Pastor Davi Freitas
JUERP, RJ

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Referências bibliográficas



Todas as palavras gregas traduzidas e interpretadas nesse comentário usam como fontes principais:

• A obra editada por Harold K. Moulton, “The Analytical Greek Lexicon Revised”, Grande Rapids, Michigan: Regency Referency Library; 
• e o “Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento” editado por Colin Brown, São Paulo: Vida Nova, 1978.

Vários comentários bíblicos foram usados, evidentemente, na forma de uma releitura:

"The Interpreter’s Bible", volume 10. New York: Abingdon Press.
"Comentario Exegetico y Explicativo de la Biblia", volume 2. Casa Bautista de Publicaciones, de R. Jamieson, A. R. Fausset e David Brown.
"Novo Comentário da Bíblia", organizado por Francis Davidson. São Paulo: Vida Nova.
• Da Série Cultura Bíblica, São Paulo: Vida Nova: os comentários a Gálatas, Romanos e Efésios.
"Manual Bíblico Vida Nova". São Paulo: Vida Nova, 2001. 
“O Comentário bíblico de Matthew Henry”, Rio de Janeiro: CPAD foi muito útil, por seu caráter devocional (pode, também, ser acessado on-line, no endereço http://www.biblegateway.com/resources/commentaries/index.php?action=getBookSections&cid=56&source=2).  

Foi muito útil o texto de F. F. Bruce comentando o “outro evangelho” criticado por Paulo em Gálatas. que pode ser acessado no endereço http://www.biblicalstudies.org.uk/pdf/bjrl/problems-3_bruce.pdf.

Do mesmo modo, foi consultado o documento eletrônico “The epistles of St. Paul to the Tessalonians, Galatians, Romans - with critical notes and dissertation”, volume 1, de Benjamin Jowett - páginas 231 a 244, que trata do conteúdo e dos destinatários de Gálatas (pode ser baixado em PDF no endereço http://ia331325.us.archive.org/2/items/a588536901joweuoft/a588536901joweuoft.pdf).

Entretanto, vale observar o caráter noutético (do grego nouthesia - o ato de por em mente, orientar) de meu comentário de Gálatas. Preocupo-me em escrever, objetivamente, para orientar os novos (ou velhos) crentes para a vida correta diante de Deus, que é aquela em que fomos libertos do pecado para, então, servirmos voluntariamente a Deus.

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Conclusão


Gálatas é de fato uma peça literária belíssima, que nos toma e atrai, completamente, ao aprofundamento de nossos conhecimentos bíblicos.

Há um caráter poimênico (pastoral, de aconselhamento) nessa epístola. Encontramos nela respostas sinceras sobre quem somos, hoje, à luz do resultado de nossa conversão a Cristo: somos pessoas livres!

Mas Gálatas alerta, também, que embora não possua força escravizadora sobre o crente, o pecado mantém forte influência na conduta do salvo.

É no âmbito da luta interior contra a velha natureza e da idéia da autojustificação que Paulo delineia os aspectos da nova condição espiritual do salvo por Cristo, da condição de liberdade das amarras do pecado, daquilo que Paulo chama de “justificação” (ver capítulo XV).

Somos cristãos e estamos no mundo vivendo, plenamente, nossa humanidade. Não somos em nada parecidos com os super-heróis dos quadrinhos, nem estamos “por cima da carne seca”,  mas no âmago da uma ferrenha batalha contra o que Paulo chama de “carne”. Segundo ensina Gálatas, nós não estamos sozinhos nessa luta. É a mesma idéia que se encontra presente na oração intercessória de Jesus por seus discípulos, em que ele ora a Deus para que “guarde os seus que estão no mundo” (Jo 17)

Deus nos guarda pela operação do seu Espírito em nossa consciência. Vencer a batalha é o mesmo que abandonar de vez o pecado. Paulo chama isso em Gálatas de “não cumprir a cobiça da carne” (5.16).

Gálatas nos ensina que viver segundo os ditames da carne (natureza pecaminosa) tem consequências terríveis (5.19-21). Assusta, num primeiro momento, percebermos tendências carnais em nossos pensamentos, gestos e falas... Mas quem pode dizer que está livre destes espectros pecaminosos?

Paulo mostra, ainda, que o Espírito Santo insiste em nos convencer à vida sem o peso da culpa. Ele  descreve, cuidadosamente, como o Espírito materializa a vontade de Deus pelo fruto (resultado natural) de uma vida sob sua orientação (5.22-25).
Outro aspecto a ressaltar é que a liberdade cristã nos impulsiona para o serviço a Deus: “Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Mas não useis a liberdade para dar ocasião à carne. ANTES, PELO AMOR SERVI-VOS UNS AOS OUTROS.” (5.13). Antes de nossa conversão a Cristo, servíamos aos nossos desejos pecaminosos. Agora, libertos por Cristo, desejamos servir a Deus, que nos perdoou e salvou.

Fundamental na leitura de Gálatas é a pergunta que devemos nos fazer sobre as marcas de Cristo em nossa vida. Elas são perceptíveis ou não? Essas marcas dão testemunho da obra realizada por Deus em nós e representam o testemunho que damos de Cristo ao mundo.

Se tivesse que escolher um versículo que apresente uma síntese de Gálatas, seria: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.” (2.20).

E você, já crucificou o seu velho homem? Faz da sua vida um estandarte da fé em Cristo? Ama na mesma proporção que o Filho de Deus, até à renúncia própria? Bem, nunca é tarde para começar. Afinal, você foi liberto, e liberto para servir, com gratidão no coração.

Escolha viver na fé, ou seja, envolvido completamente por ela. Muitos acreditam estar numa espécie de busca ou mergulho para dentro de Deus, sem, entretanto, levar em consideração a crucificação de sua velha natureza. É fácil ficar cantando por aí, aos prantos, “eu quero entrar nos teus átrios”, “eu quero mergulhar nos teus rios”, “entrar no santo dos santos”, “te conhecer”, “me apaixonar”... Difícil é morrer para o pecado, para o mundo, abandonar de vez a disposição para pecar... Deixar-se crucificar...

Quem quiser fazer as coisas expressas nos cânticos que pedem mais de Deus que viva “na fé do Filho de Deus”, ou seja, que aja de acordo com os princípios por ele ensinados na cruz.

Viver na fé é mais do que ir à igreja, emocionar-se ao som de belas palavras. O cristianismo está repleto de pessoas que falam de Deus. Deus precisa de pessoas que creiam nele, que lhe obedeçam, que sejam servas, que sejam úteis...

Viver na fé é “a norma” que traz “paz e misericórdia” sobre aqueles que crêem (6.16). É o que lhes desejo.

Essa carta é de próprio punho, com todo o amor que um pastor pode ter.
Graça e paz.

______________________________________
Davi Freitas de Carvalho,
pastor batista há 19 anos, educador por vocação.


Queimados, RJ

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XX
As MARCAS
de Jesus
(Consequências de nossa escolha de vida)

1. A declaração de Paulo “Daqui em diante ninguém me moleste; porque eu trago no corpo as marcas de Jesus” (6.17) sempre me conduziu a uma reflexão sobre o significado de dizer-se cristão num mundo cada vez mais secularizado. Depois de ter lido Paulo, foi a descoberta e a leitura da carta de Inácio de Antioquia, um importante bispo que também escreveu aos Romanos, que me abriu os olhos para essa questão. Por essa razão, a citação de Inácio abre esse comentário. Como afirmou Paulo, e também Inácio, insisto, amados, que ser cristão é ser liberto do pecado para servir a Deus, pela fé em Jesus Cristo. Paulo, que é nosso personagem principal durante essa jornada literária, apesar de toda a grandiosidade de seu pensamento e do trabalho missionário em prol dos gálatas, foi muito injustiçado, pois falsos líderes e crentes imaturos perverteram o seu ensino e o perseguiram. Seus opositores eram judeus, cuja religiosidade se sustentava em rituais e atos cerimoniais exteriores. Um destes atos (a circuncisão) deixava uma marca física no corpo de cada homem. Paulo afirma que a “aparência na carne” (6.12) e a “glória na carne” (6.13) não são as marcas deixadas por Jesus em nós. Resulta daí que nós, cristãos, não precisamos de rituais e atos cerimoniais exteriores, e sim da religião interior (cujo fundamento é o amor – 5.14) provocada pelo encontro com o Salvador.

2. A pergunta, para todos aqueles que congregam sob qualquer liderança pastoral, é: podemos afirmar como Paulo, que trazemos no corpo as marcas de Jesus? Ou seja, podemos dizer que a partir de Jesus, vivemos de uma maneira nova, diferente e melhor? (6.15) Esperamos que sim! Eis, portanto, a nossa percepção acerca das marcas deixadas por Jesus em nós, segundo Paulo nos afirma em Gálatas:

3. A primeira marca: A TRANSFORMAÇÃO RADICAL EM NOSSO SER: “Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão é coisa alguma, mas sim o ser nova criatura” (6.15). Ninguém é mais a mesma pessoa depois de ter se encontrado com Cristo. Que o diga Paulo, que era notável pelo seu zelo religioso como perseguidor dos primeiros cristãos (1.13,14), e que, segundo a misericórdia do nosso Deus, foi transformado, para tornar-se um dos maiores mensageiros da verdade do evangelho em todos os tempos. Não nos esqueçamos de manifestar, nitidamente, a transformação ocorrida, em nosso caráter, em nosso comportamento. Isso é permitir (como afirmou Inácio) a manifestação da fé ao mundo.

4. A segunda marca: A LIBERDADE CONQUISTADA PARA NÓS NA CRUZ POR CRISTO JESUS: “o qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau...” (1.4a). Essa liberdade é uma condição de nossa nova natureza, e a mera possibilidade de abrir mão dela é algo abominável (1.8,9). Essa liberdade é liberdade do domínio escravizador do pecado, como bem afirmou o apóstolo João: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36). Dentre as várias imagens bíblicas para essa libertação espiritual, muito me chama a atenção aquela que Paulo usa em Gálatas: “Portanto, não és mais servo [do pecado], mas filho..." [e livre!] (4.7a).

5. A terceira marca: A JUSTIFICAÇÃO DE DEUS PARA OS NOSSOS PECADOS, PELA FÉ EM JESUS, SALVADOR E SENHOR DA VIDA: “...temos crido em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo...” (2.16). A justificação deve ser entendida no contexto da ausência de dolo, sendo a declaração divina de nosso salvo-conduto, do perdão de nossa pecaminosidade. Por isso, ela se fundamenta em Deus, pois só ele pode “nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo 1.9b).

6. A quarta marca: O CONSOLO DO ESPÍRITO SANTO DE DEUS, recebido após o ato da fé salvadora: “Cristo nos resgatou da maldição da lei... a fim de que nós recebêssemos pela fé a promessa do Espírito” (3.13a, 14b). A esse recebimento, Paulo chamou “batismo” em Cristo (3.27). Em Gálatas, Paulo usa também o sinônimo “revestimento de Cristo”, ou seja, que pela habitação do Espírito Santo em nós, somos revestidos da graça salvadora, dos dons espirituais e do caráter de Cristo. Ninguém pode se afirmar cristão sem a experiência do revestimento do Espírito! Para nós, batistas, o revestimento do Espírito é o batismo no/do/pelo/com o Espírito! Ele ocorre no ato da fé, como bem explica Paulo em Gálatas e em todas as suas cartas. Cremos também que o revestimento/batismo do Espírito está ligado à multiplicidade de dons que o Espírito disponibiliza para a igreja, a fim de que ela realize sua missão e que haja unidade espiritual, e não desunião. O Espírito Santo não nos faz diferentes dos outros cristãos ou melhores do que eles. Insisto em que todos vós leiais o que Paulo escreveu em Efésios 4.1-16, que apresenta o vínculo que nos une a todos (cristãos de todas as denominações): o revestimento do Espírito Santo. Na leitura, encontraremos: um só corpo (a igreja), um só Espírito (para todo o corpo), uma só esperança (a glória), um só Senhor (Jesus), uma só fé (evangélica), um só batismo (que não é o das águas, mas o recebimento/revestimento do Espírito), um só Deus... Na leitura, veremos que a cada um de nós (v. 7) foi dada a graça conforme o Dom (com “D”, o Espírito Santo) de Deus. Também, que o Espírito Santo concede dons espirituais (com “d”, os carismas e capacitações especiais) “tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito...” (Ef 4.12). Paulo citou apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres (que nos sirva de exemplo!). É pela presença gloriosa do Espírito em nós, para nos edificar, consolar, purificar e santificar, é pelo revestimento do Espírito que fomos unidos ao corpo de Cristo e pertencemos à família de Deus: “E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho...” (4.6).

7. A quinta marca: O DESEJO DE VIVER EM SANTIDADE DE VIDA. A metáfora que Paulo usa para a santificação do crente é “andar pelo Espírito” (como já indiquei no capítulo XVII, 2): “Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito” (5.25). Para Paulo, a santificação é o comportamento contrário aos desejos carnais (5.16). Por essa razão, creio, é literal a expressão que sem a santificação “ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). A verdade é que, ao participar de Cristo e, pelo recebimento do Espírito, temos sido investidos do seu caráter santo! A santidade é o objetivo a ser alcançado: “mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em todo o vosso procedimento” (1Pe 1.15). A ausência de santidade traz-nos problemas sérios, como pode ser percebido no exemplo de Josué, derrotado diante dos habitantes da cidade de Ai, por terem se tornado impuros (Js 7). Muitas de nossas frustrações são resultados de um viver “carnal” (5.17), ou seja, de um viver em que somos vencidos por nossos desejos pecaminosos. Mas há esperança: a liberdade de Cristo implica no desejo de lutar/vencer a cobiça da carne. Para isto, basta que nos deixemos guiar pelo Espírito de Deus (5.18).

8. A sexta marca: A MUTUALIDADE. Paulo nos ensina isto, ao afirmar: “Levai as cargas uns dos outros” (6.2). Este caráter comum do cuidado e da comunhão que move os relacionamentos cristãos nos diferencia do mundo ao nosso redor. Para comprovar o fato, basta ouvir (entendendo o que se diz) os cantores de Rock. Dizem em suas canções “I don’t care! (Eu não ligo!), “They don’t care” (Eles não se importam!), “Nobody cares”” (ninguém tá nem aí!). Mensagens com esse teor mostram que no mundo persiste a ausência de mutualidade. É a total desesperança, o sentimento de isolamento, de não ter alguém em quem confiar ou com quem contar... Cristo mudou essa realidade em nossa vida, pois ele se importou conosco, e o fez até a morte, e morte de cruz! Ele deseja que nos importemos com os demais, também. No famoso episódio do lava-pés, Jesus ensinou os seus discípulos (e a nós, seus filhos) a serem servos uns dos outros. Isso precisa acontecer porque nem todos somos fortes de espírito, ou animados. Nossa existência anterior à conversão nos acompanhará para sempre na nova jornada de fé. Alguns trazem traumas da infância, outros ainda sofrem com suas perdas, outros com o luto etc. Que seria da igreja sem a mutualidade, sem o cuidado mútuo? Paulo escreveu em outras cartas sobre isto. Aos Romanos, disse: “Nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos...” (15.1). Aos Tessalonicenses, disse: “...consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes com todos” (1Ts 5.14). Não percamos tempo. Procuremos por outros que estão necessitando de ajuda, de um abraço amigo, de um conselho, de um telefonema, de um simples “Eu me importo!” É o que Paulo quis dizer com a expressão “façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (6.10).

9. A sétima marca: O APREÇO PELOS QUE MINISTRAM NA CASA DE DEUS. Algumas senhoras presenciaram uma conversa animada que tive com a diaconisa Lídia, ovelha de meu primeiro ministério, quando pastoreava, no início da década de 90, a Igreja Batista Jardim Monte Castelo, em Nova Iguaçu, RJ. O episódio ocorreu no domingo em que voltava da visita ao Lar Esperança do Idoso em Vila de Cava, onde se encontrava a irmã Isabel. Quando a diaconisa Lídia viu meu carro estacionando no seu portão, ela apressou o passo, pois vinha andando pela rua, e não conseguiu conter a sua alegria. Muito animada, falava com as irmãs (diaconisas Deusedite e Avani e com a irmã Geni) sobre episódios passados e vividos entre ela e seu ex-pastor. Lembrou dos bolos, de meus filhos e dos gostos pessoais deles, do carinho nas relações que tínhamos. É desse tipo de lembrança que Paulo faz menção na carta aos Gálatas, “o que está sendo instruído na palavra, faça participante em todas as coisas boas aquele que o instrui” (6.6). Atitudes assim dão conta da gratidão, do carinho, da atenção que toda a igreja cristã tem por seus pastores. Agradeço, com todo o coração, por todos os votos de saúde, paz e prosperidade que recebi de meus irmãos e amigos. É uma lembrança que cada pastor leva consigo para toda a vida.

10. A oitava marca: TRABALHAR/SERVIR PARA A GLÓRIA DE DEUS. É o que Paulo quer mostrar, na afirmação: “longe esteja de mim gloriar-me...” (6.11a), pois não há méritos em nossas ações. Ele conclui: “a não ser na cruz de Cristo...” (6.14b). É, portanto, natural para a igreja cristã projetar toda a glória e honra de suas atividades para Jesus Cristo, “o autor e consumador de nossa fé” (Hb 5.9). A realidade de muitas de nossas igrejas, no que diz respeito às posses materiais e aos recursos humanos, reforça a mensagem que somente Deus poderia realizar tanto em tão pouco tempo... Como afirmou Lucas: “Cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos” (At 2.47b). É graças a ele que vivemos “tempos de refrigério” (At 3.19b). É em gratidão a tudo o que Deus realiza em nosso meio que vivemos para servi-lo, com alegria em nossos corações.

11. A nona marca: A PERSISTÊNCIA. Não desistir jamais é uma característica natural do salvo, daquele que foi liberto das amarras do pecado. Causou surpresa a Paulo saber que os cristãos da Galácia estivessem pensando em deixar o evangelho de Cristo para voltarem à fé judaica: “Estou admirado de que tão depressa estejais desertando daquele que vos chamou da graça de Cristo para outro evangelho” (1.6). E mais: “...estou perplexo a vosso respeito” (4.20b). O que Paulo esperava deles era a persistência: “...permanecei, pois, firmes e não vos dobreis novamente a um jugo de escravidão” (5.1b). Todavia, para muitos crentes, a nova condição parece pior do que a anterior! Isso ocorre por causa do impacto das exigências éticas cristãs. Por exemplo, analisemos o caso de um político corrupto que se converte a Cristo. Como enriqueceu ilicitamente, ao ser liberto do pecado, vê-se às voltas com sua consciência cristã e com uma visão não muito promissora financeiramente, pois tem o dever da restituição, da retidão e da justiça. Pode ser tentado à saída mais fácil: tornar-se um crente distante, não-engajado, enfraquecido espiritualmente, ou optar por manter sua riqueza. Quem agiu assim foi o jovem rico (Mt 19.16-30), descrito com detalhes por Jesus como alguém que esperava manter a fé e a riqueza ilícita também... (Convém pensar aqui na perversidade natural do sistema econômico em si...) A história deste jovem é mais ou menos assim: ele se aproxima de Jesus, pergunta-lhe sobre as atitudes corretas que poderiam levá-lo para o céu. Jesus, por sua vez, afirma ao jovem que deve renunciar a sua riqueza terrena (pois era ilícita) e segui-lo (sob as suas condições). Mateus chega a afirmar sobre a decepção do jovem: “ouvindo essas palavras, retirou-se triste; porque possuía muitos bens”. Isso não quer dizer que todas as riquezas são ilícitas ou que o cristão que vem a Cristo de posse de muitos bens precise distribuir seus tesouros com os pobres e fazer votos de pobreza para servir a Jesus. O que está em jogo aqui é a certeza de depender exclusivamente de Deus para prosseguir/persistir na fé! Entre nós, o povo de Deus, não há hierarquia ou classes de pessoas [ricas e pobres; inteligentes e obtusas, brancas e negras] no tocante a Deus e à salvação. Deus só faz uma exigência: a fé. Por ela, “aguardamos a esperança da justiça [de Deus]” (5.5b).

12. Como vimos, as marcas de Cristo estão em nós porque somos “guiados pelo Espírito” e não estamos mais debaixo da lei (5.18). Se antes de nossa conversão a Cristo vivíamos escravizados pelo pecado e fazíamos coisas que não agradavam a Deus, sem ter consciência plena disso, hoje, o Senhor Jesus deixa em nós marcas indeléveis de sua presença, pela orientação de seu Santo Espírito. Quanto mais dependemos do Espírito Santo, melhor será a nossa qualidade de vida. A obediência à orientação do Espírito não é algo simples como um dispositivo de piloto automático. Ela depende de nossa relação com a Palavra de Deus, relação de confiança e de compromisso, o que nos impedirá de retornar à antiga condição.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XIX

O papel da
CRUZ em Gálatas

(Motivo de glória para o crente)

1. Nos aproximamos da parte final da epístola (cap 6). Ali, o apóstolo retoma o tema da cruz, aplicando-o à nova realidade diante da qual o cristão se defronta. Esse símbolo permanece um dos mais impactantes para a história da humanidade e, ainda mais, para aqueles que foram perdoados pelo sangue derramado por Jesus na cruz do Calvário.

2. Mas “qual é o papel da cruz em nossa vida?” E, num desdobramento dessa questão, “Que símbolos são evocados quando pensamos na cruz?”

3. Talvez pairem dúvidas em relação ao símbolo da cruz. Muitas delas têm origem no universo mental católico, no costume de usar o crucifixo como uma espécie de amuleto. Afinal, qual a relevância da cruz para nós, os cristãos evangélicos batistas?  Devemos usar essa imagem em ocasiões especiais, como por exemplo os cartazes para conferências evangelísticas, ou mesmo timidamente, na forma de pequenos broches, brincos, cordões?

4. A verdade é que não deveríamos ter medo da cruz e de seu símbolo, e sim, nos apropriarmos dos sentidos presentes no pensamento cristão envolvendo a cruz. Foi isso que Paulo fez nessa carta, que tenho procurado interpretar nesta obra. Eis alguns argumentos importantes:

5. A cruz é o único motivo de glória para o cristão: “...longe esteja de mim, gloriar-me, a não ser na cruz...” (6.14). Segundo esse ensinamento, não há nenhuma ação que possa resultar na salvação do crente, senão aquela em que Deus “deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3.16). Os judeus exaltavam seus méritos pessoais de observarem as leis de Moisés, numa tentativa de autojustificação diante de Deus. Paulo, que tinha reais motivos para vanglória pessoal, ensina que o cristão não pode proceder assim, pois sua justificação não está nele e nem em suas ações, mas em Cristo.

6. A verdadeira cruz é aquela na qual Jesus sofreu e não aquela em que o cristão se coloca. Um episódio do Antigo Testamento ilustra bem essa verdade: Na passagem designada “as águas de Meribá” (Nm 20.2-13), Moisés, diante do povo sedento, ousou levar sobre si a capacidade de livrar o povo de sua sede, omitindo que aquela ação (ferir a rocha e encontrar água) teria sido orientada por Deus, o verdadeiro autor do milagre. O gesto de Moisés era natural, pois ele tinha amplo conhecimento da região e de suas escassas fontes naturais de água. Deus repreendeu Moisés, duramente, por causa disso (v. 12), e nem mesmo permitiu que ele entrasse na terra prometida com o povo (só pôde vê-la de longe...). Moisés pecou ao querer se colocar no lugar de Deus. Em relação à cruz, o mesmo princípio ocorre: quando o crente busca justificar sua condição de salvo por seus próprios méritos, ele se coloca no lugar de Cristo. O que ele não compreende é que Deus precisou assumir o nosso lugar na cruz, porque nenhum de nós poderia ocupá-la, nem em prol de nós mesmos nem em prol dos outros. Todo o mérito é de Deus.

7. Na cruz de Cristo o impacto do pecado sobre o crente é esvaziado. Esse ímpeto pode ser percebido em várias declarações bíblicas. Uma das mais marcantes é a de Jesus, no ensino relatado no Evangelho de Marcos 7.21-23: “...é do interior, do coração dos homens, que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios, a cobiça, as maldades, o dolo, a libertinagem, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez; Todas estas más coisas procedem de dentro e contaminam o homem.” O homem só pode enfrentar o pecado interior, e vencê-lo, pelos méritos da cruz de Cristo, pela instrumentalidade do ato salvador de Jesus na cruz! Por isso, Paulo afirmou “que o mundo está crucificado para nós” (6.14). A construção verbal traduzida aqui “estar crucificado” aponta para uma ação completa, aperfeiçoada. O que importa é que ação foi concluída, e que seus efeitos permanecem. Na aceitação do sacrifício de Jesus na cruz, como Mediador entre Deus e nós, e como Salvador e Senhor, o cristão pode dar as costas para o mundo, pois este não tem mais o mesmo apelo sedutor. Paulo chega a afirmar, em outra de suas epístolas, que o nosso velho homem foi crucificado com Cristo “a fim de que não sirvamos ao pecado” (Rm 6.6a). Assim, a natureza pecaminosa, antes absoluta, agora tem como adversário o Espírito Santo, e por ele pode-se “aguardar a esperança da justiça que provém da fé” (5.5).

8. Na cruz de Cristo está simbolizado o rompimento do pecador com o pecado. É o que Paulo afirma com uma forte declaração: “Os que são de Cristo Jesus, crucificaram a carne com as paixões e concupiscências” (5.24). A ação descrita, “crucificaram”, aponta para a decisão tomada de deixar o pecado (arrependimento), pelo abandono consciente da prática pecaminosa, como um princípio de vida. Sem essa constatação, pode-se colocar em dúvida se houve de fato a crucificação do pecado: “Aquele que é nascido de Deus não peca habitualmente; porque a semente de Deus permanece nele, e não pode continuar no pecado, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9).

9. A certeza da crucificação do pecado para o cristão deve ser diretamente proporcional à fé que este diz ter em Jesus. Esperar em Cristo, segundo o escritor aos Hebreus é “âncora da alma, segura e firme” (Hb 6.19). Uma fé descrita com tamanha realidade deve levar o cristão ao comprometimento cada vez maior com Cristo, mostrando, assim, seu caráter transformado pela renúncia completa da velha vida.

10. De tudo o que se escreveu até aqui, ressalte-se o fato de que a cruz tem como papel principal abrir uma porta de comunicação com Deus, e com o próximo. É comprovada a afirmação de que o pecado desvirtuou, desorientou, separou o homem de seu Criador. Na cruz, Deus está nos chamando de volta. Pela eficácia da cruz, podemos ter “ousadia... pelo sangue de Jesus, pelo caminho novo e vivo que ele nos inaugurou...” (Hb 10.19a,20a). Pela glória da cruz podemos nos achegar “com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência...” (Hb 10.22).

11. A cruz anuncia a morte, é verdade, mas como um princípio de vida. Lá, Cristo, o sacerdote perfeito, morreu como o sacrifício perfeito, para nos conceder a vida eterna, pois a cruz não conseguiu detê-lo: “...Jesus, autor e consumador da nossa fé, o qual... suportou a cruz... e está assentado à direita de Deus” (Hb 12.2). A cruz anuncia a morte do mundo, a morte da influência destruidora do pecado. Tal qual um tanque de guerra atravessando as linhas inimigas, imponente, o pecado tem trazido muita desolação e tristeza. Mas a cruz de Cristo pôs fim a essa epopéia. Enfim, a cruz de Cristo anuncia a morte do nosso “eu”, do nosso querer, sempre contrário a Deus, sempre infiel e decepcionante. Só assim, quando morremos para o pecado, é que o Redentor pode viver em nós.

12. Mas de nada adiantam cruzes ou crucifixos, se não nos deixarmos crucificar! Precisamos assumir um morrer diário com Cristo, como afirmou Paulo: “Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, pois quanto a ter morrido, de uma vez por todas morreu para o pecado, mas quanto a viver, vive para Deus” (Rm 6.8,10). E então? É assim que temos experimentado a cruz de Cristo? Como uma experiência de vitória contra o pecado, a morte e o mal? Pois é o que Deus espera de cada cristão, que sejam “crucificados com Cristo” para a glória de Deus.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XVIII

DISCIPLINA
na igreja

1. Um dos temas mais difíceis para nós, irmãos, os que exercemos o pastorado, é a administração da disciplina na igreja. Isso se dá por causa de vários fatores, dentre os quais poderia facilmente enumerar alguns, para explicar a natureza da complexidade a que me refiro:

2. Comecemos, por exemplo, pela percepção do senso comum de que uma atitude disciplinar é sempre uma ação hierárquica na igreja, ou seja, que vem de cima para baixo, do pastor para o membro, de quem manda para quem obedece. Vale a pensa ressaltar que ao contrário, quem disciplina é o próprio Deus, pela instrumentalidade do corpo local, a igreja, pela orientação da Palavra e do Espírito Santo, e não o pastor da igreja.

3. Outro fator problemático é que, como homens modernos (e mulheres também), somos indivíduos fragilizados e desestabilizados, sem o apoio das normas sociais e das referências coletivas. Vivemos de acordo com uma norma pessoal do que seja certo ou errado, seguimos nossos próprios códigos de conduta. Explico: ser membro de uma igreja pressupõe o entendimento mais ou menos uniforme sobre que atitudes são positivas, ou seja, reforçam o ensinamento bíblico e dignificam a igreja perante a opinião pública. Mas o que fazemos? Não fazemos outra coisa senão fazer o que queremos, do jeito que queremos, quando queremos, sem dar a mínima importância à imagem do grupo ao qual representamos. Sem querer, acabamos por impedir o progresso do evangelho por causa de um mau testemunho para com a congregação à qual pertencemos.

4. Mas o fator preponderante para a necessidade da disciplina na igreja, isso tanto em nível pessoal como em nível social, é o re-impacto da natureza pecaminosa na esfera da igreja, provocando a indisciplina, que, muitas vezes, se disfarça nas atitudes de desdém e de solidão impostos ao pastor, o líder espiritual da igreja, ou mesmo às lideranças dos departamentos.

5. A disciplina na igreja tem a ver com a verdade do evangelho. Pelo menos é isso que fica aparente na pergunta que Paulo faz as gálatas: “Tornei-me acaso vosso inimigo porque vos disse a verdade?” (4.16). Precisamos nos disciplinar (doutrinar, padronizar, uniformizar) pela verdade do evangelho, que nos alcançou “até que Cristo seja formado em...” cada um de nós (4.19b). O problema disciplinar na igreja na Galácia foi que deixaram de “obedecer à verdade” do evangelho, preferindo a justificação por méritos pessoais, como aqueles que pretendem ter seu próprio guia de conduta acima descritos (5.7).

6. A disciplina na igreja tem sua norma, lei, padrão de conduta nas Escrituras. Isto se pode perceber na pergunta de Paulo: “Que diz, porém, a Escritura?” (4.30a). Uma igreja disciplinada não é aquela que obedece ao pastor às cegas, mas que obedece à Palavra de Deus, o livro-texto do comportamento cristão.

7. A disciplina na igreja precisa ser exercida com espiritualidade (6.1a). Paulo tem em mente os motivos do ato disciplinar, que não são carnais (vindos de nosso julgamento humano, por natureza preconcebidos e preconceituosos), mas nos chegam pela orientação do Espírito. Ser um cristão espiritual significa ouvir a voz de Deus, exercitar a fé e a confiança nas instruções que nos são reveladas nas Escrituras. Afirmo, com pesar, que nós, cristãos, erramos com plena consciência de nossos erros, pois o Espírito de Deus, que habita em nós, tem como missão principal nos “convencer do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16.8).

8. A disciplina na igreja precisa ser realizada com gentileza e educação (6.1b). Isso é traduzido em nossas Bíblias “mansidão”. Assim, a regra bíblica para o ato disciplinar tem a ver com a forma de administrar a disciplina. Exemplos atuais de como um processo disciplinar degenerou-se em rebelião e desordem podem ser encontrados, não só em nossa congregação, mas em qualquer outra, por causa da não observância desse simples critério. Os resultados de uma disciplina arrogante são drásticos e as marcas levam anos para serem cicatrizadas. Não me refiro à arrogância do líder apenas, mas também à arrogância das ovelhas. Ambos são necessários no ato disciplinar: pastor e ovelhas, uma vez que a disciplina é exercida pela assembléia.

9. A disciplina na igreja deve ser administrada pela congregação com humildade (6.3). Lembro aqui, abrindo um parêntese para dialogar com a história do Brasil, que a herança colonial portuguesa nos dividiu em classes e nos fez pensar que alguns são superiores aos outros. Os reflexos disso são transparentes na sociedade brasileira, em que alguns se sentem superiores, enquanto que outros se sentem inferiores. Na igreja, aprendemos que somos todos iguais perante Deus. O que nos iguala é a nossa humanidade pecadora, que carece e depende do agir divino. Por isso, Paulo chega a dizer que “se alguém pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo” (6.3), ou seja, não temos condições de julgar o nosso irmão. Disciplina, portanto, não é um ato de julgamento, mas um princípio salutar, ao qual podemos e devemos todos nos submeter.

10. A tarefa de disciplinar não é fácil, quando precisa seguir as orientações aqui expostas. Muito embora, da maneira como Paulo nos orienta, ela seja ocasião de crescimento espiritual, tanto para o indivíduo como para a igreja. Em geral, o desejo pastoral para com a igreja é a adoção de um viver cristão disciplinado, seja no âmbito individual ou social. A obediência aos princípios bíblicos promove a disciplina organizada.

11. A disciplina é um exercício prático de submeter nossa consciência aos ditames da Palavra de Deus. A melhor maneira para o pastor ajudar no processo disciplinar da igreja, a meu ver, é por meio do ensino e da pregação, mas, às vezes, também pelo aconselhamento. Geralmente, a atuação disciplinar da liderança pastoral produz dois tipos de comportamentos: no caso dos crentes que se deixam disciplinar, um agir consciente em prol da causa de Cristo; no caso daqueles que preferem viver por seus próprios códigos, a rebeldia voluntária.

12. Para haver disciplina é preciso haver uma norma que esteja acima de nós. No meu caso, há tempos decidi que a norma é a Palavra de Deus, que ela está acima de mim e de meus juízos morais, hoje entorpecidos pelo relativismo ético da sociedade moderna. Foi o tempo em que éramos conhecidos como “os Bíblia”... Hoje, os evangélicos proeminentes (da TV, rádio e internet) apresentam suas próprias idiosincrasias e desafiam os fiéis a seguirem seus passos. Nossa cultura evangélica mudou. A fé desses homens está associada com o dinheiro, a prosperidade, as declarações de vitória material, a ausência de doenças, a não aceitação dos efeitos reais do pecado na existência cristã. De fato, quem deseja viver a experiência cristã de modo disciplinado precisa se voltar para uma fé “bíblica”. Fé bíblica é aquela produzida pelo Espírito Santo em nosso interior, que testemunha de Jesus Cristo, do seu amor e de sua misericórdia, de sua constante atuação como advogado de nossas causas. Fé bíblica é aquela que está em constante crescimento, pois leva o cristão a um autoexame. Fé bíblica é pessoal, libertária, conjugada com a prática, racional e cujo padrão é o próprio Cristo, presente em nosso interior pela habitação do Espírito. Deixemos, portanto, que a Palavra se cumpra em vossa vida, de modo disciplinado, como afirma Paulo: “Pois toda a lei se cumpre numa só palavra, a saber: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (5.14).

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o serviço a Deus

Capítulo XVII

O FRUTO do
Espírito

(Sinais da nova vida em Cristo)

1. O objetivo da libertação realizada por Deus na vida de cada cristão é a existência caracterizada pelo fruto (no singular) do Espírito, em suas várias manifestações. Esta realidade é apresentada como a contrapartida divina às obras produzidas pelo desejo pecaminoso. Representa, também, o desejo de Deus para os seus filhos, de guiá-los (5.18) em toda “a verdade do evangelho” (2.14). Em resumo: a existência do fruto do Espírito na vida do crente dá legitimidade e integridade à experiência cristã. O fruto do Espírito é esperado como conseqüência natural da nova vida do salvo e também como salva-guarda de sua atual condição. Para Paulo, não frutificar quer dizer viver abaixo da expectativa de Deus.

2. Paulo usa nesta carta dois sinônimos para definir aqueles que manifestam o fruto do Espírito em suas vidas: “andar pelo Espírito” (5.16) e “ser guiado pelo Espírito” (5.18). Ambos retratam um comportamento esperado daqueles que vivem segundo as orientações divinas, sob o impacto da presença santificadora do Espírito em seus corações e mentes. Tais expressões podem ser encontradas em suas outras cartas, pois estabelecem um padrão. Por exemplo, quando diz que nós “não andamos segundo a carne, mas [andamos] segundo o Espírito” (Rm 8.4b). Outro texto muito peculiar é Efésios 2.10: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que ANDÁSSEMOS NELAS.” Paulo amplia o sentido da expressão afirmando que é sinônimo de “andar em Cristo” (Cl 2.6).

3. Paulo explica que o crente anda conforme a carne (se for desobediente) ou conforme o Espírito (se for fiel). É assim no dia-a-dia do cristão, como se pode perceber na descrição que o apóstolo faz das obras da carne (retratadas no capítulo anterior), e pela evidente oposição que elas fazem ao comportamento cristão esperado por Deus (5.17). Mas, se Paulo não se dá por vencido pela carne, nem nós. Ele nos mostra o caráter definitivo do agir (o fruto) do Espírito em nós. Este agir possibilita a comunhão do homem com Deus. É só pelo Espírito que o homem pode se ver livre do poder escravizador de sua natureza pecaminosa. É pelo Espírito que a existência humana pode ‘frutificar’:

4. O fruto do Espírito é “o amor” (5.22a). Muito tenho insistido nisso com a Primeira Igreja Batista da Fazenda Botafogo. Devemos separar para Deus um sentimento puro de amor, uma espécie de entrega completa e incondicional, que serve como o motor a nos impulsionar para a vida religiosa. Não falo aqui de uma “paixão” por Jesus (que é o mais recente neologismo para o anelo cristão de intimidade com Deus). Uma paixão pode ser saciada, mas o amor, não! Ele é mais exigente. Espera um convívio, uma relação duradoura (no caso de Deus, uma relação eterna). Não é à toa que Paulo tenha afirmado que três sentimentos devem permanecer: a fé, a esperança e o amor. Mas, continua, “o maior destes é o amor” (1Co 13.13). Quem manifesta o fruto do amor reconhece que antes de amar a Deus, ele nos amou primeiro. Não é sem razão que Paulo coloca o amor como a base para todos os outros dons listados aqui.


5. O fruto do Espírito é “a alegria” (5.22a). É o que significa a palavra ‘gozo’, em linguagem religiosa, palavra que soa mal aos ouvidos pelo seu uso mundano. Cantamos essa verdade quando dizemos “a alegria está no coração de quem conhece Jesus”. Jesus é o motivo da alegria do crente. Portanto, demonstremos alegria na oração (Fp 1.4), alegria no sofrimento (1Pe 4.13), pois sabemos que é uma grande honra “padecer como cristão” (1Pe 4.16), e alegria no serviço cristão: “Servi ao Senhor com alegria, e apresentai-vos a ele com cântico” (Sl 100.2). Uma coisa interessante que podemos constatar em nosso caso particular na Fazenda Botafogo, é que a alegria do pastor alegra a igreja, e a alegria da igreja alegra o pastor. Isso porque a alegria é contagiante, um fruto difícil de comer sozinho...

6. O fruto do Espírito é “a paz” (5.22a). Podemos falar de paz em nível interior, paz de espírito, e também exterior, paz com os demais. Na verdade, a paz que nos alcançou é a reconciliação com Deus e a restauração da comunhão com ele, e que nos leva a comunhão com os demais irmãos. Podemos ler a respeito disso em várias passagens: Romanos 5.1 (afirma que por Jesus ela já nos alcançou); 12.18 (mostra que o perdão de Deus traz paz); Efésios 2.14,17 (afirma que Cristo é a nossa paz e que nos traz a paz); e em Filipenses 4.7, que é a regra áurea da paz para nós: “e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus”.

7. O fruto do Espírito é “a longanimidade” (5.22b). Você estaria disposto a caminhar junto com alguém que se tornou uma companhia desagradável? Você estaria disposto a conviver e se relacionar com alguém que disse coisas horríveis a seu respeito? Você foi ferido por alguém e logo se esqueceu do fato? Pois bem, se você respondeu ‘sim’ é porque você é uma pessoa longânime, ou seja, não-vingativa, compassiva, que mostra clemência, certa resistência pacífica e paciente diante do sofrimento provocado por outra pessoa. Podemos agir assim porque Deus o faz conosco (Sl 103.8,9). Nossos pecados entristecem a Deus, como nos mostra a narrativa de Números 14. Mas ele ainda assim demonstra seu caráter longânime para conosco: “O Senhor é tardio em irar-se, e grande em misericórdia; perdoa a iniqüidade e a transgressão...” (Nm 14.18a). E quanto a nós, irmãos da PIB Fazenda e amigos leitores: temos demonstrado essa característica em nosso viver?

8. O fruto do Espírito é “a benignidade” e “a bondade” (5.22c). Paulo usa benignidade no sentido de uma “disposição para o bem”, um caráter virtuoso. Nesse sentido, creio que ele se aproxima muito dos filósofos gregos, para os quais o homem deveria ser virtuoso, ou seja, dispor-se ao bem comum para encontrar a felicidade. Bondade já é algo prático, resultante de uma ação amorosa. Algo “bom”, portanto, deve ser algo motivado pelo amor. Como anda a nossa disposição para o bem? E o amor de Cristo? Tem se materializado em ações eficazes em vosso viver?

9. O fruto do Espírito é “a fidelidade” (5.22c). Paulo usa aqui a mesma palavra que usamos para traduzir em nossa Bíblia o termo “fé”. Fidelidade é confiança, fé, certeza, sem a qual o comportamento cristão fica duvidoso. Precisamos agir com fé, pela fé e a partir da fé que Deus nos concedeu. Em resumo, “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6a); a fé é o nosso escudo contra as investidas do inimigo de nossas almas (Ef 6.16); a fidelidade a Cristo nos levará às últimas conseqüências: “Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida.” (Ap 2.10b).

10. O fruto do Espírito é “a mansidão” (5.23). A palavra é muito confundida com “humildade”, que em grego refere-se, objetivamente, à condição humilde (pobreza) e, subjetivamente, ao espírito humilde. Ser manso não é ser humilde. Ser manso é ser gentil, educado para com os outros, respeitador, enfim, ser capaz de ter uma resposta sempre positiva. Um exemplo de mansidão devemos dar (nós, os homens esportistas) na prática do futebol. Nossa cultura brasileira é a da vitória, o único resultado aceitável. Perder é algo tão inadmissível, que se faz de tudo para não perder, inclusive deixa-se de lado a gentileza e a espírito esportivo, tão características do esporte em sua origem. Como pastor-esportista, oriento minha congregação a práticas esportivas ‘reinventando’ as regras para tornar o esporte uma coisa saudável, respeitável. Em nosso meio, devemos perder “sorrindo” e, evidentemente, tentar fazer os outros “sorrirem” também, ou seja, ganhando deles. Na hora de jogar bola, vez ou outra, a gente esquece desse gomo do fruto, é verdade... Mas logo interrompemos o esporte e nos conscientizamos do erro cometido. Isso acontece por causa do Espírito de Deus que nos faz mansos e humildes.

11. O fruto do Espírito é “o domínio próprio” (5.23). Cristãos são senhores de si, no sentido de conseguir um autocontrole diante de uma situação inusitada? O domínio próprio fecha a lista de dons, porque é o resumo do espírito livre e responsável, do indivíduo que age por consciência própria e não por causa de leis exteriores e cerceadoras da liberdade pessoal. Paulo nos ensina em Gálatas que fomos libertos para servir ao Deus vivo, com consciência e por escolha pessoal. Afinal, Deus é o responsável pela nossa liberdade.

12. Eis, amados, o fruto do Espírito, que é a dádiva de Deus para todos os que foram libertos do poder escravizador do pecado. Então, é hora de frutificar. Não esperem mais. Exerçam a sua liberdade para servir a Deus com o fruto que ele nos oferece.