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domingo, 31 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XVI


As obras da 
CARNE
(Sinais da velha maneira de viver)


1. A liberdade alcançada pelo resgate de Cristo não significa ausência de conflitos, principalmente, no aspecto interior da vida e dos pensamentos. Paulo chama esses conflitos de ‘luta’, traduz nossa expressão “agonia”, no sentido de esforço para ‘tomar o controle’. Estão em ação nessa luta duas influências opostas: de um lado, a ‘carne’, que é a inteira natureza terrena do homem, sua sensibilidade e razão, e do outro o ‘Espírito’, que é aqui o Espírito Santo, o agente da santificação na vida de cada cristão.

2. Os aspectos produtivos do desejo pecaminoso dos homens, sejam eles cristãos ou não, são chamados por Paulo de “obras da carne” (5.19). A natureza humana pecadora deseja manifestar-se em todos os momentos, daí a exigência de perceber o perigo real de cairmos em tentação e, assim, “não fazermos o que queremos” (5.17).

3. As palavras empregadas por Paulo em Gálatas não têm a pretensão de resumir a ação pecaminosa apenas nestes termos, sendo, antes, expressões deste comportamento carnal num contexto particular. Listas de pecados semelhantes podem ser encontradas em Romanos 13, 1Coríntios 3, Efésios 5, Colossenses 3 e 1Pedro 4.

4. Uma outra descoberta interessante é que para as “obras” (plural, no texto grego original) da carne existe em contrapartida o “fruto” (singular, no texto grego original) do Espírito, que trataremos no capítulo seguinte.

5. As obras da carne assim se mostram na vida do cristão, caso ele se deixe vencer pelo desejo interior pecaminoso: primeiro, aquelas que estão relacionadas com a impureza interior: “prostituição”, “impureza” e “lascívia” (5.19).

6. Muito cedo na história do povo de Deus a palavra ‘prostituição’ ocupou papel de destaque. Convém notar que, primitivamente, ela esteve relacionada com a religião – tratava-se de “prostituição” cultual (2Reis 23.7), ou seja, infidelidade para com Deus (Jr 3.6-9; Os 1.2b; 4.2). Paulo fez uso de 3 palavras gregas para falar de prostituição a partir do Novo Testamento: porneia (prostituição), akatharsia (impureza física e de intenções e motivos) e aselgueia (lascívia, licenciosidade, atitude impudica).

7. ‘Porneia’ (prostituição) é substituída em alguns manuscritos antigos por outra palavra grega que significa “adultério” ou fornicação, sendo portanto, sinônimo de relações sexuais ilícitas. ‘Akatharsia’ (impureza) é ser motivado por uma intenção maldosa, maliciosa. É geradora de uma vida licenciosa, desregrada e luxuriosa, como parece comportar-se a geração de nosso século. ‘Aselgueia” (lascívia) está mais ligada aos procedimentos escandalosos contra a decência pública, como palavrões, movimentos corpóreos indecentes (como aquelas que o ‘funk’ apregoa e os jovens repetem desde a mais tenra idade em determinados contextos – por exemplo, a tal “boquinha da garrafa” ou mesmo os movimentos dos cantores de Rock and Roll, insinuando o ato sexual).

8. Em lugar da palavra ‘prostituição’ foi cunhada uma outra, ligada à palavra ‘eros’ – amor – mais amena: falo do ‘erotismo’ (paixão amorosa, amor sensual, lascivo), inclusive nos cultos cristãos, em que os cânticos levam os adoradores à experiência sensual e em que não se faz menção ao amor altruísta e ilimitado de Deus. O resultado é o desastre de perceber que o perdão não faz parte da prática cotidiana (pois é fruto do amor de Deus), mas canta-se a paixão por Jesus” ou o desejo de “tocar” nele. Segundo o escritor Lipovetsky, esta faceta erótica é chamada de narcisismo hedonista (o prazer pessoal acima de tudo).

9. O segundo grupo de palavras é “idolatria” e “feitiçaria” (5.20a), palavras que estão relacionadas às atitudes errôneas dos homens em relação a Deus. A idolatria é, à época de Paulo, um perigo constante, pois são milhares as divindades existentes. Também, na Ásia (Província romana em que estava situada a Galácia) funcionava um dos maiores centros de promoção do culto ao imperador. Em alguns contextos, como na cidade grega de Corinto, as sobras das carnes sacrificadas a ídolos eram vendidas nos açougues das praças, causando problemas para os cristãos recém-convertidos que sabiam da procedência da carne. A feitiçaria sempre esteve associada à idolatria no mundo antigo. A palavra grega deu origem à palavra ‘farmácia’ em nossa língua, pois os feiticeiros usavam ‘drogas’ em seus encantamentos. A indústria musical é um exemplo de produção de idolatria e dessa capacidade de “enfeitiçar”, de adormecer o homem real, com problemas reais, nas causas sociais. Algumas letras me vêm à mente, em que são usadas imagens mundanas para falar do relacionamento com Deus: “Pai, olha para mim, estou aqui desesperado por mais de ti” (assim fica o dependente químico, antes da próxima dose); “embriagado de amor” (pergunto: o amor de Deus embriaga, inebria, tira a consciência?!) Muitos cultos que se dizem cristãos parecem estar mais para sessões de encantamento do que para atos de culto. Bandeiras da fé, terra de Jerusalém, folhas de oliveira, água benta, tudo que vemos presentes nas reuniões religiosas de algumas igrejas “evangélicas” aponta para aquela atitude supersticiosa ligada a esta obra da carne, a feitiçaria.

10. As demais obras listadas por Paulo estão relacionadas ao comportamento social do homem: a) “inimizades”, b) “contendas”, c) “ciúmes”, d) “iras”, e) “facções”, f) “dissensões”, g) “partidos”, h) “invejas”, i) “bebedices”, j) “orgias” (5.20b,21).

11. Uma tradução das palavras gregas apontaria os seguintes sentidos para as obras da carne acima citadas: a) ter ou manter atitudes de inimizade com pessoas (virar o rosto, falar mal de, tratar mal etc.); b) espírito de contenda, manter viva uma disputa; c) rivalidade gratuita contra alguém, quase sempre movido pela inveja; d) explosões de raiva, com gritos, brigas e insultos; e) espírito politiqueiro, tentativa de estar sempre ganhando vantagem (principalmente com falsos elogios ou elogios insistentes não merecidos); f) jogar uma pessoa contra outra; g) opinar e pautar o comportamento de modo contrário à doutrina prevalecente, muitas vezes conscientemente (por escolha pessoal); h) a inveja propriamente dita, portanto ligada a “ciúmes”; i) intoxicar-se de bebida, embriagar-se; j) participar de festas lascivas ou orgíacas.

12. Estas traduções sugerem alguns comportamentos nossos que precisam mudar? Eis a batalha interior a que Paulo se refere, em que esses instintos pecaminosos cedem lugar ao estímulo do Espírito. te para explicar nossa luta diária para viver segundo o Espírito, em detrimento da satisfação da carne. Trigo e joio crescem juntos, até a hora da colheita. Do mesmo modo, nós, os salvos, acumulamos em nossa experiência humana tanto componentes bons (que devem ser guardados, cuidadosamente)  como ruins (que devem ser evitados, conscientemente). Quem vive para satisfazer as obras da carne é chamado por Paulo pela expressão “homem natural” (do grego, psíquico), isto é, alguém inclinado para os instintos carnais.  Escrevendo aos Coríntios, Paulo diz: “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2.14). Gálatas nos adverte da força destrutiva desses instintos, razão pela qual devemos resistir à sua influência.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer de servir a Deus

Capítulo XV


Paulo e o evangelho da

LIBERDADE


1. O evangelho pregado por Paulo bem que poderia ser chamado de “evangelho da liberdade”, pois o resumo da Carta aos gálatas tem este teor.

 2. Ao afirmar que “para a liberdade Cristo nos libertou” (5.1), Paulo estaria falando de quê? Por acaso nos projetaria para uma “terra sem lei”, em que não teríamos que responder a nenhum estatuto que não a nossa própria consciência? Não creio...

3. Sem a noção qualitativa dessa liberdade alcançada, ficamos à mercê de nossa própria sorte. No capítulo 5, Paulo nos fornece uma explicação plausível sobre a condição de liberdade alcançada por cada cristão, pelo agir do Espírito da vida.

4. O que nos prendia, antes de termos sido libertos por Cristo? O que é esse tal “jugo da escravidão” que Paulo tanto fala? (5.1b) A palavra jugo se refere à canga colocada sobre o lombo do boi, prendendo seus movimentos a um serviço a ser executado. A metáfora é simples: Paulo fala da vida humana que é pautada pelas obrigações religiosas e civis, portanto legais, que levariam o homem para a autojustificação.

5. Todos já ouvimos a opinião popular, afirmando que se uma pessoa de natureza bondosa e gentil morrer, ela irá para o céu por causa de seu bom comportamento. Pois bem, esta idéia errônea se baseia na concepção legalista e opressora da “justificação pela lei” (5.4). Deus opera a “justificação pela fé”, em oposição a esta idéia.

6. A lei não é má em si mesma, apenas não alcança o fim a que se propõe, visto que somos incapazes de cumpri-la efetivamente. Viver pela lei é “estar obrigado a guardar toda a lei” (5.3), o que, sendo-nos impossível, requer uma diferente abordagem de vida para cada cristão.

7. Precisamos ser libertos da lei, mas no sentido da acusação que ela nos faz. Paulo explica que “o que vem pela lei é o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.20b). Ao constatarmos nossa condição pecaminosa, nada nos resta senão a culpa: “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23).

8. Até que sejamos libertados da culpa e declarados inocentes de nossos pecados não há esperança para nós. Paulo ensina que esta liberdade foi alcançada “pelo escândalo da cruz” (5.11b), onde Jesus “se deu a si mesmo por nossos pecados” (1.4).

9. Não precisamos mais estar “separados de Cristo” (5.4) na tentativa de nos salvar a nós mesmos pela autojustificação. Fomos “chamados à liberdade” (5.13). O pecado já não tem poder escravizador sobre nós. Podemos resistir a ele se usarmos as armas certas para a batalha que se trava no espaço interior (pensamentos, intenções, vontade, sentimentos).

10. Paulo afirma, categoricamente, que o cristão precisa estar firme na decisão que tomou: “permanecei, pois, firmes” (5.1). Crer em Cristo é confiar na justiça de Deus (obtida no sacrifício da cruz), e viver segundo essa condição, pela ação orientadora do Espírito voltada para o futuro: “pelo Espírito aguardamos a esperança da justiça que provém da fé” (5.5).

11. Não há lugar para o medo, para a incerteza, para a culpa na vida de quem foi libertado do pecado. A hipótese, portanto, da “queda da graça” (5.4), ou da perda da condição alcançada para o crente, no raciocínio de Paulo, nada mais é do que uma falsa percepção do que ele diz. “Decair da graça” é para Paulo rejeitar completamente a liberdade oferecida em Cristo. Para os judeus, isso significaria permanecer no legalismo e na autojustificação.

12. Vivamos, pois, como amados do Senhor, livres do pecado. Isso implica numa “nova lei” (5.14) que, literalmente, traduz a proposta da liberdade alcançar: somos livres para servir, a Deus a ao próximo, sob o estigma do amor.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XIV


Enfermidade e
solidariedade


1. Na Carta aos Gálatas, não há nenhum ensinamento específico sobre como devemos tratar nossos irmãos enfermos. Mas Paulo deixa algumas pistas de como deve ser esta relação, no capítulo 4.

2. Na única vez que Paulo fala de doença ou enfermidade física em Gálatas, fala de si mesmo: “por causa de uma enfermidade da carne vos anunciei o evangelho” (4.13). O que chama a atenção aqui, em primeiro plano, é que, num certo sentido, foi essa incapacidade física (a palavra também traduz fraqueza ou doença) de Paulo que, impedindo-o de continuar viagem, permitiu-lhe ficar entre os gálatas e pregar-lhes o evangelho.

3. Ninguém sabe ao certo qual era a doença de Paulo. Quase todos os estudiosos concordam que era uma doença oftalmológica, pois condiz com a afirmação no versículo 15: “se possível fora, teríeis arrancado os vossos olhos, e mos teríeis dado”.

4. A experiência de conversão de Paulo na estrada de Damasco também corrobora para este fato (At 9). Depois de seu encontro com Cristo, em que um clarão de luz o deixou temporariamente cego, Lucas relata que escamas ou crostas cobriram os olhos do apóstolo (At 9.18). Teriam ficado seqüelas? Muito provavelmente.

5. Porém, Paulo nos deixa uma outra possibilidade de entender a enfermidade. Escrevendo aos Coríntios (2Co 12.1-10), ele afirma que Deus permitira que Satanás o afligisse na carne, para mantê-lo humilde e para demonstrar o poder de Deus em sua vida.

6. Seria o “espinho na carne” (2Co 12.7) essa enfermidade? Não é fácil dizer... Mas também não é a questão mais importante aqui. O fato é que os gálatas demonstraram um zelo e um cuidado muito especial para com o apóstolo em sua enfermidade.

7. Primeiramente, porque não se deixaram afetar pelo preconceito e o receberam e à sua mensagem como se tivessem recebido um anjo do céu ou o próprio Cristo (4.14). Isso é relevante, principalmente, se a cultura espiritual adotada for aquela que relaciona pecado à enfermidade. Quantos movimentos religiosos, atualmente, agem assim, discriminando irmãos que passam por momentos de provação física?

8. Em segundo lugar, Paulo fala da felicidade ou satisfação interior dos crentes da Galácia com a presença do apóstolo. Ele não lhes era um “peso”, apesar de sua enfermidade. Pessoas com idade avançada merecem ser tratados com mais respeito e deveríamos permitir-lhes atuar mais, sem preconceitos estéticos. Isso é democratizar o culto e honrar a Palavra de Deus.

9. A palavra de ordem é solidariedade, ou seja, aquela relação de responsabilidade entre pessoas unidas por interesses comuns, de maneira que cada um sinta-se obrigado a apoiar o(s) outro(s).

10. O fator que nos une e nos faz solidários é Cristo. Por isso Paulo faz o apelo aos cristãos da Galácia para que neles “Cristo seja formado” (4.19), ou seja, que os laços de solidariedade sejam solidificados pela unidade do Espírito.

11. Em que, num sentido prático da esfera da ação social e no cuidado mútuo, o exemplo de Paulo pode nos ajudar?

12. Seria importante manter uma relação com os irmãos enfermos, o que é algo fácil em nossos dias: um telefonema, um bilhete, uma visita rápida, uma oração a Deus pelo seu bem-estar, tudo isso traz muita alegria a quem passa por dificuldades físicas. Precisamos também pensar em mecanismos de inclusão social no culto, sem resmungar por causa do ritmo diminuído, sem forçar os idosos a terem comportamentos joviais e, para aqueles que não podem mais cultuar no templo, por exemplo, produzindo uma fita de vídeo do culto dominical, produzindo um informativo das atividades etc. 

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer do serviço a Deus

Capítulo XIII


Dois tipos de


SERVIDÃO  






1. Façamos para nós mesmos a seguinte pergunta: “Não seria bem melhor para os homens escolherem servir a Deus, a fim de fazer uso dos benefícios que essa relação traz em si mesma?” Com toda certeza de que sim!

2. Mas, infelizmente, a realidade não é tão bela... Os homens, em seu estado natural de servidão ao pecado (3.22a), acabam por optar por outra estratégia: a adoção de regras estritas de comportamento, esperando, assim, solucionar a desordem interior em que se encontram. Era assim que os judeus viviam, pela lei de Moisés. É assim que vivemos hoje, culpando a tradição e o tradicionalismo pelos nossos problemas eclesiásticos e fornecendo o contexto sócio-cultural propício para as novas propostas de “salvação eclesiática”... (Refiro-me aos novos modelos de igreja). Na verdade, apenas buscamos novas “leis” para dar conta de nossa incapacidade espiritual.

3. Na Carta aos Gálatas, Paulo chama esta escolha de “viver como judeus” (2.14), “maldição da lei” (3.13), “estar reduzido à servidão debaixo dos rudimentos do mundo” (4.3).

4. Imaginemos, para exemplificar a dificuldade relacionada a esta escolha, que um homem habite numa casa, à beira da estrada, e, por isso, tem sua residência invadida pela poeira trazida pelo vento. No decorrer dos dias, todos os móveis estarão cobertos de pó. Certo dia, ao receber a visita da irmã, esta lhe escreve num pedaço de papel dez itens descrevendo as ações a serem realizadas para colocar a casa em ordem. Aquele homem agradece, coloca o papel em cima da escrivaninha empoeirada e, quando ela vai embora, despede-se, gentilmente. O fato das regras terem sido escritas não garantirá que aquele homem vai executá-las, da maneira como estão expressas. Talvez, ele nem mesmo as lerá, ao realizar a tarefa (se é que vai...). Talvez, ao varrer, jogue a poeira para baixo do tapete (o que, com certeza, não é o que sua irmã orientou...) ou então, como parece ser o caso de quase todos os homens, ele apenas exija que outra pessoa faça aquilo por ele, que, com certeza vai deixá-lo contente.

5. Assim vive o homem que pretende “seguir os procedimentos da lei”. O fato de os mandamentos serem santos, justos e bons não garante a sua execução. Nas tentativas frustradas pelo pecado, os homens “varrem muita poeira para baixo do tapete”, fingindo que são justos e corretos diante de Deus. Mas, na sua grande parte, os homens preferem jogar a responsabilidade para os outros (apontar o pecado, exercer o julgamento, mudar de sistema organizacinal etc.) com a única intenção de evitar os olhares para a sua própria vida. 
                                                                                                                                                                                         
6. Os cristãos da Galácia, que estavam debaixo da lei, por serem judeus, haviam sido “resgatados” dessa opção de vida (4.5). Esse é o motivo da perplexidade de Paulo: como podiam eles querer voltar ao antigo estado de escravidão, depois de terem recebido tamanha bênção?!

7. O resgate, literalmente “a condução para fora da condição anterior”, é libertação, redenção. É uma das mais belas imagens do Antigo Testamento. Lá, o redentor compra de volta a liberdade de alguém que fora colocado em estado de escravidão, seja por causa de uma dívida ou qualquer outro motivo.

8. Você já se perguntou por que devemos ser libertos da escravidão da lei? Penso em duas respostas: Primeiro, porque não podemos fazê-lo por nós mesmos. É Cristo quem nos liberta. Segundo, porque a lei é inoperante em nosso caso, por causa do pecado que habita em nós e nos escraviza. Lendo a descrição dessa condição pecaminosa em Romanos 1.18-32, entendemos por que razão a humanidade parece piorar a cada dia...

9. O resgate de Cristo se dá na esfera espiritual. Paulo descreve o ato como “o recebimento do Espírito” (3.2), a promessa da parte de Deus (3.5,14), pela resposta positiva ao apelo da fé (2.16; 3.11).

10. O resgate modifica a condição humana: somos adotados como filhos de Deus. Paulo faz uso do argumento da filiação de Abraão, tão importante para os judeus, para mostrar que descendem espiritualmente de Abraão os que como ele creram (3.8). A bênção prometida a Abraão vem a todos por meio de Jesus Cristo (3.14), que liberta o homem da escravidão da lei, do pecado e da morte. Paulo também diferencia o servo (escravo) do filho (também servo, mas por vontade própria).

11. É a partir da libertação da escravidão que o homem pode realmente escolher a quem servir. No caso, ao optar pela fé em Cristo, ele escolhe voluntariamente servir a Deus, e o faz com prazer. Somos, assim, transportados de um reino (das trevas) a outro (da luz), do império do pecado para o reino de Cristo.

12. Eis, em resumo, o conteúdo deste capítulo: antes de crer o homem é escravo do pecado, está debaixo da maldição da lei, que resulta na morte. Pela fé em Cristo, que tem como fundamento a presença purificadora do Espírito, o pecador é libertado desta condição, e, assim, pode escolher servir a Deus, abandonando sua antiga maneira de viver. Pode, enfim, viver na dependência do Espírito.


domingo, 24 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer de servir a Deus

Capítulo XII


A promessa, a lei
e a FÉ


1. Uma das mais importantes considerações da Carta aos Gálatas é a ordenação que Paulo faz da promessa, da lei e da fé para a vida cristã (nos capítulos 3 e 4). Afinal, o que vem primeiro? Qual a função de cada uma? Quais, dentre estas palavras, se concretizam na vida do crente hoje?

2. Em nossos dias, permanece forte a disputa entre a obediência legalista e a obediência pela fé. De um lado, a concepção legalista da vida: vê necessidade estrita de observar regras e normas, julga o outro pelo que esse faz e acredita em hierarquização espiritual. Em resumo, vê-se a salvação como o resultado das obras praticadas. Do outro lado, a concepção de justiça pela fé, sem méritos pessoais: prima pela consciência e pela responsabilidade pessoal de cada crente, representado pelo sacerdócio universal de todos os salvos, pela liberdade de expressão da fé e de interpretação das Escrituras. Em resumo, vê-se a salvação pela graça, mediante a fé.

3. Esta disputa parece não ter fim. Causa baixas em ambas as frentes de batalha. Viver por obras parece justificável, por causa da ilusão de disciplina e santidade total. Viver pela fé, livre de normas estritas pode descambar para a libertinagem, que é a acusação feita às igrejas menos rígidas em suas normas comportamentais, como é o caso dos batistas. A dúvida também existia na vida dos crentes da Galácia.

4. A pergunta que Paulo faz a eles continua ecoando: “é por obras da lei ou pelo ouvir com fé que a salvação é recebida na liberdade do Espírito?” (3.2 – paráfrase deste escritor). Em resposta: Deus, “prevendo” (3.8), isto é, tendo decidido de antemão, prometeu justificar o pecador pelo caminho da fé.

5. Abraão, o “Pai da fé” (Rm 4.16), é o exemplo clássico. A fé que demonstrou aponta para a participação ativa do homem no ato de crer. Embora seja Soberano, Deus não força o homem a crer. Entretanto, ele conduz a história humana em sua infinita onisciência para o ato da fé, quando promete a vida do Espírito. Eis a tese de Gálatas: há prioridade temporal da promessa em relação à lei e à fé.

6. Quando Paulo fala de paternidade abraâmica, não o faz referindo-se à descendência étnica. O contraponto aqui é que os judeus se orgulhavam dessa descendência “na carne”, mas esqueciam-se do sentido específico da descendência de Abraão, que é mais bem desenvolvido em 3.16: “as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade... que é Cristo”. Paulo está afirmando que a bênção evidenciada na promessa (a justificação do pecador) é compartilhada com aqueles que exercitam a fé no Cristo (3.9).

7. Mas a lei entrou em cena antes da efetivação da fé, aqui entendida como o evangelho da salvação, ou ainda a “graça salvadora”. Paulo afirma que 430 anos depois de outorgada a promessa, a lei assume um papel relevante na história da humanidade (3.17).

8. Por que Deus precisou da lei mosaica, que em outros lugares da Bíblia é chamada de Estatutos, Ordenanças e Mandamentos, para colocar em ordem as relações dos homens com ele e consigo mesmos? Paulo explica: “por causa das transgressões” (3.19), isto é, das violações da lei cometidas por nós, de nossos desvios comportamentais, de nossos excessos.

9. A lei, que vem depois da promessa, não a invalida nem se volta contra ela (3.21). Ela apenas não tem a capacidade de vivificar o homem. Ela aponta para a promessa da vida, que é efetivada pelo Espírito de Deus no momento em que o homem crê.

10. Na obediência aos Mandamentos de Deus estava, portanto, implícito, o ato de crer. Aliás, no Antigo Testamento obedecer é sinônimo de crer! A lei atuava como guardiã da humanidade pecadora, enquanto a fé em Cristo aguardava o tempo de Deus para a execução do plano da salvação.

11. A fé, como dom de Deus, é portanto, o objetivo final da lei. Por meio dela, a promessa do Espírito - anterior à lei e à fé - nos é dada (3.22). Ela aguardava o tempo de sua manifestação (3.23), apenas no que diz respeito à pessoa de Cristo, pois já está presente na vida de Abraão. A fé cristã é um tipo de relacionamento. Requer laços de comunhão e de comunicação. Por isso não é possível crer sem, antes, ouvir. O evangelho que ouvimos está diretamente relacionado à verdade, pois os homens precisam conhecer a Deus (4.8,9).

12. Por isso Paulo afirmou que, pelo cumprimento da promessa da habitação do Espírito, na fé exercida por cada crente “Cristo é formado em vós” (4.19). Mas é preciso perseverar, insistir nessa relação verdadeira, com o Mestre e com seus ensinos, sob o risco de descaracterizar o evangelho recebido.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XI

o propósito
da lei


1. A lei nos foi dada por Deus com um propósito definido. Nesse sentido, ela é boa, ainda que por causa do pecado estejamos impossibilitados de cumpri-la. Na carta aos Gálatas, Paulo analisa o propósito da lei.

2. Primeira argumentação: a lei serviu de aio (3.24). A palavra grega ‘paidagogos’ (aio), que deu origem à palavra ‘pedagogo’ em nosso idioma, era usada para qualificar uma pessoa, geralmente um servo ou escravo, que tinha a responsabilidade de cuidar das crianças da família à qual servia, levando-as para a escola, brincando com elas, zelando por sua segurança.

3. Evidente que, nesse papel, o termo é aplicado em referência à lei mosaica, que arbitra sobre a humanidade como que em estado infantil, ou melhor, que assume a tutela das relações humanas esperando pelo momento de sua maturidade espiritual.

4. Segunda argumentação: a lei conduz o pecador a Cristo (3.24). A lei, cumprindo seu papel de guardião da humanidade infantil, só o faz até o momento em que a fé surge no cenário da espiritualidade humana.

5. Notai, pois, que a fé não é apenas um exercício de confiança no Ente superior ou apenas um reconhecimento da existência divina. É o apóstolo Tiago, irmão do Senhor, que nos relembra bem essa verdade: “Crês tu que Deus é um só? Fazes bem; os demônios também o crêem, e estremecem” (Tg 2.19).

6. Fé tem conteúdo e objeto. Precisa ser dirigida a Jesus Cristo. Por isso, “depois que vem a fé, já não estamos debaixo do aio” (3.25). Escrevendo aos Romanos, Paulo afirma que por meio de Jesus Cristo Deus satisfez suas próprias exigências santas e voltou contra si mesmo sua ira justa que o pecador merece: “Mas agora, sem lei, tem-se manifestado a justiça de Deus... pela fé em Jesus Cristo para todos os que crêem...” (Rm 3.21,22a).

7. O resultado da fé em Cristo é “o resgate da maldição da lei”. Cristo assumiu o lugar do pecador na cruz do Calvário. Tornou-se, ele mesmo, maldição em nosso lugar (3.13).

8. Imaginemos, por um momento, uma plantação de café. Ela é cuidada com todo o carinho para que, no tempo próprio, o lavrador possa realizar a colheita de seu plantio. A essa imagem podemos associar a transição da lei para a fé. Assim, em Cristo a lei cumpre seu propósito. A humanidade amadureceu. Está preparada para a colheita.

9. Isso acontece segundo “o tempo determinado pelo Pai” (4.2b). Deus conduz a história, preparando-a para a chegada de Cristo, o cumpridor da lei. Paulo chama esse tempo de “plenitude” (4.4).

10. O mundo de sua época havia sido preparado para o advento de Cristo. Vejamos: um idioma falado em todo o mundo, o grego, serviu de base para a escrita e preservação do Novo Testamento, redigido a partir do ano 50 d.C.

11. Também se encontra preparado o caminho das missões cristãs pelas estradas, pontes e cidades romanas, seguindo o grande fluxo das rotas comerciais e o grande afluxo de habitantes nas principais cidades do império.

12. Enfim, Deus nos permitiu viver por algum tempo sob a tutela legal, de espiritualidade e moralidade infantis, reservando-nos para, segundo o seu propósito, recebermos sua revelação em Cristo Jesus, cumprindo a lei e inaugurando uma nova era: a era da fé. 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Cap X

A ESCRAVIDÃO
da lei

1. Há muitas dúvidas no que se refere à lei na Bíblia. O que há de tão terrível na condição de submissão humana à lei? Não seria a vida sob o ditame de regras definidas e absolutas uma grande possibilidade de melhorar a existência humana?

2. A questão é complexa. Quando alude “à escravidão da lei”, Paulo não está se referindo às normas legais que dirigem e regulam as relações sociais. Estas normas constituem um avanço no campo social de qualquer cultura.

3. O que ele tem em mente é um outro tipo de estatuto, presente na vida dos seres humanos, desde a desobediência de Adão (Gn 3). Ele fala da lei “do pecado”. Em Gálatas, Paulo usa palavras fortes ao definir esse estatuto: “maldição da lei” (3.13).

4. As Escrituras Sagradas nos informam sobre esta relação homem-pecado, quando faz uso da palavra “escravidão”. A exceção à regra é o próprio Cristo, “nascido debaixo da lei” (Gl 4.4b), mas “em semelhança da carne do pecado” (Rm 8.3). Por essa razão é que somente Jesus pode operar o resgate da maldição da lei (3.13).

5. Paulo bem explica os efeitos do pecado na vida humana, numa outra carta, dirigida aos romanos. Nela, ele diz: “Não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus” (3.10,11). O que demonstra claramente o questionamento paulino: Como pode um homem desejar justificar-se pela observância da lei, se o pecado o impede de perceber o próprio Deus em sua vida? Logo, ele conclui: “o homem não é justificado por obras da lei” (2.16a).

6. A lei é, portanto, um tutor implacável contra o pecado. A lei mostra o pecado, denuncia o pecador, evidencia a culpa, acaba por se tornar ineficaz para libertar o homem de sua condição.

7. O argumento usado por Paulo para enunciar o contexto de escravidão em que o homem está sujeito é: “quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos rudimentos do mundo” (4.3). Esses rudimentos são, na verdade, as bases intelectuais ou religiosas presentes na lei.

8. Como explicar essa sensação de servidão ao pecado na existência humana? Paulo, escrevendo aos Efésios, fala de uma condição de “morte em delitos e pecados” (2.1). A escravidão da lei é um estado de morte. Não apenas no sentido literal, de morte física, mas em sentido espiritual, da inércia ou incapacidade de viver para Deus e em prol de sua causa.

9. Na mesma passagem, anteriormente citada, Paulo explica que a escravidão da lei é “andar segundo o curso deste mundo” (Ef 2.2), ou seja, adequação comportamental aos ideais desta era, marcada pelo desejo pecaminoso. A escravidão da lei é “submissão aos desejos da carne” (Ef 2.3).

10. Em Romanos, Paulo expressa essa terrível condição com palavras fortes: “Deus os entregou, nas concupiscências de seus corações, à imundícia... a paixões infames... a um sentimento depravado, para fazerem coisas que não convêm” (Rm 1.24a, 26a, 28b). Paulo quer dizer com isso que a humanidade pecadora está condenada, impotente e sem esperança, enquanto permanecer nessa condição. Sua recusa em reconhecer e glorificar Deus leva os homens à total degradação.

11. Por essa razão, amados, quando esperamos por motivações internas para o serviço a Deus e para a obediência da fé temos grandes dificuldades. Se em nós não habita bem algum (por causa do pecado), esperar que a abolição da escravidão espiritual se dê a partir de nós mesmos, seja por reflexão, autoconsciência, força de vontade etc. será, no mínimo, uma contradição! Não haverá liberdade do pecado se seguirmos nossa tendência pecaminosa (carne)!

12. Reconheçamos, portanto, pelo testemunho de Paulo aos Gálatas, que a lei do pecado é uma força escravizadora, mas, de igual modo, que graças à misericórdia de Deus, ela não é a única força atuando em vossa vida.
 

domingo, 17 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo IX

figuras
do Antigo Testamento


1. Paulo faz uso de exemplos bem conhecidos para o povo de Israel para explicar a doutrina bíblica da justificação pela fé, quando descreve a vida de Abraão e de sua família.


2. É mister entender, irmãos, que para os judeus Abraão é o personagem mais importante do Antigo Testamento. Pode-se ler sobre ele a partir de Gênesis 11, quando se chamava Abrão (que significa “pai exaltado”) e, posteriormente, na passagem central do Antigo Testamento, Gênesis 12, à qual Paulo faz referência na Carta aos Gálatas. A partir dessa passagem, seu nome fora mudado para Abraão (que significa “pai de uma multidão”).


3. Abraão é considerado por todos os judeus o patriarca (Pai) que deu origem ao povo judeu.  O evangelista Mateus começa sua narrativa mostrando que Jesus é descendente de Abraão (Mt 1.1), e as principais autoridades religiosas judaicas insistem em afirmar que têm Abraão por Pai (p.ex., em João 8.53). O próprio Cristo fez uso da figura de Abraão em seus ensinos (Lc 16.19-31).


4. Entretanto, Paulo deseja apresentar um novo sentido de paternidade, ao ligar os seres humanos a Abraão. Ele não está interessado na descendência étnica (racial). Se assim fora, somente aos judeus estaria Deus apresentando o plano de salvação.


5. Paulo se importa com o “Abraão crente” (3.9) e não com o Abraão patriarca. Para ele, por causa da atitude de Abraão, a verdadeira descendência do povo de Deus é aquela que crê. A fé que tem por objeto de confiança Jesus Cristo é o elemento unificador nessa relação espiritual.


6. Assim, Paulo fala em Gálatas dos filhos de Abraão, buscando um sentido comparativo para interpretá-los (4.21-31).


7. Paulo se refere ao texto de Gênesis 16 a 21, em que Abraão teve dois filhos que se tornaram referência para as questões raciais, políticas e religiosas envolvendo os israelitas.


8. Abraão teve, com sua esposa Sara, o filho prometido ao casal por Deus, Isaque, que significa “riso”. Como Sara era estéril, ela fez uso de um dispositivo de direito (àquela época) e concedeu sua escrava Agar para, em união conjugal com o marido, lhe gerar um filho, Ismael, que significa “Deus ouve”. Abraão e Sara lançaram mão desse dispositivo porque julgavam impossível a realização da promessa de Deus em face da idade avançada de Sara. Paulo chama os filhos de Abraão de “da escrava” (Ismael) e “da livre” (Isaque) - 4.22, aquele nascido segundo a carne, este, segundo a promessa.


9. No antigo direito, citado no texto de Gênesis 16, esse filho “da escrava” poderia passar por hebreu, mas, pelo princípio do direito em vigor à época de Paulo, do qual ele faz uso em seu argumento, o filho da união entre um israelita com uma escrava era considerado escravo, como a mãe.


10. O esforço de obter o filho sem levar em conta a promessa que fora feita por Deus, resultou na separação entre Abraão, Agar e Ismael. A promessa divina somente foi cumprida quando do nascimento de Isaque, o herdeiro natural de Abraão e Sara.


11. No argumento de Paulo, Isaque representa o papel de todos os que herdaram a salvação pela graça e favor divinos. Não há intervenção humana que possa substituir a promessa da salvação em Cristo Jesus.


12. Portanto, amados, a instauração do novo pacto destitui o antigo. Ser “filhos da promessa”, descendência espiritual de Abraão é, segundo Paulo, uma figura comparativa para a liberdade da fé.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo VIII
  
De olho nas
tentações


1. A tarefa de viver neste mundo como seguidor de Jesus não é fácil, amados do Senhor. Mas, se soubermos nos apresentar vigilantes diante dos desafios que estão à nossa volta, poderemos resistir e ter sucesso nessa carreira ou missão. Antes, precisamos identificar as dificuldades iniciais na caminhada cristã.

2. Com esse interesse em mente, Paulo escreve aos gálatas para desafiá-los a perceberem seus deslizes, e para mostrar como sucumbiram (ou estavam por sucumbir) às tentações. São lições preciosas para nós, cristãos do século 21.

3. O primeiro desafio para o cristão é o “presente século mau” (1.4), isto é, o estado de coisas que marcam a era em que se vive. Segundo as Escrituras, essa era é marcada pela pecaminosidade. Paulo mostra que Cristo já nos resgatou desse domínio, quando se deu na cruz por nossos pecados e, posteriormente, venceu a morte pela ressurreição. Não deixemos, portanto, que a mentalidade desta época, nas formas do materialismo, secularismo, ganância, insensibilidade, individualismo, sensualidade, rebeldia e tantas outras coisas, se imponha sobre nós!

4. Outra grande tentação é sucumbir diante de “falsos irmãos” (2.4), que na aparência de santidade, não andam conforme a verdade do evangelho, induzindo cristãos ao erro. Muitos são os líderes evangélicos que têm se portado assim, ostentando-se cristãos professos, mas destituídos do conhecimento de Deus e da piedade de vida.

5. Outra tentação expressa por Paulo nessa Carta aos Gálatas é “não romper definitivamente com a velha natureza”. Paulo usa várias expressões para mostrar esse perigo na vida dos cristãos da Galácia:

6. Primeiro, diz que eles correm o perigo de “tornar a edificar o que foi destruído” (2.18), naquele contexto, significando o perigo de voltar aos ditames da lei, impedindo a ação eficaz da graça salvadora. Para Paulo, essa atitude também é “acabar pela carne” (3.3b), ou seja, viver distante da influência de Deus e seguir os desejos e instintos naturais pecaminosos. Diz ainda que os gálatas queriam “tornar aos rudimentos fracos e pobres” (4.9), e, mais explicitamente, diz que queriam “estar debaixo da lei” (4.21a) ou a frase sinônima “dobrar-se a um jugo de escravidão” (5.1), referindo-se evidentemente à ineficácia e à impotência da lei diante da maldição do pecado e também à adoção da prática da circuncisão para os novos crentes, que é um ato cerimonial importantíssimo para o judaísmo, ao qual Paulo se refere ironicamente em Gálatas 5.12 e explicitamente em 6.12.

7. Outro grande inimigo a ser enfrentado pelo novo crente é o “fascínio pelo líder”, que é algo natural do ser humano, ainda que não seja uma atitude sábia. Como crianças espirituais, novos crentes tendem a “idolatrar” seus líderes. Notemos a pergunta de Paulo aos gálatas: “Quem vos fascinou?” (3.1).

8. Os cristãos da Galácia estavam sendo iludidos pelos judaizantes, pois “fascinar”, no idioma usado por Paulo, o grego, significa desde falar mal (provavelmente, da graça salvadora em detrimento das obras) até enfeitiçar ou encantar. Quantos não são, pergunto-vos, os mestres da oratória em nossos dias, nos meios de comunicação e nos púlpitos de nossas igrejas, que convencem os novos crentes com suas crendices, levando-os a tomarem atitudes altamente prejudiciais, quando não totalmente destituídas de embasamento bíblico?

9. Segundo a Palavra de Deus, a cultura do evangelho é a resposta final para as questões submersas nesse mar do social que é influenciado pelo inimigo de nossas almas: “...o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos...” (2Co 4.4). O cristão é convidado a resistir ao mundo e à mentalidade pecadora, à semelhança do que fez Paulo: “...rejeitamos as coisas ocultas, que são vergonhosas, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus...” (2Co 4.2a). Se a mentalidade moderna é produtora de ídolos (e exige adoração), ressoa em nossos ouvidos a pergunta paulina: “...que sociedade tem a justiça com a injustiça? Ou que comunhão tem a luz com as trevas? Que harmonia há entre Cristo e Belial?...” (2Co 6.14b,15a).


9. Quando a igreja deixa de tomar uma posição disciplinar em relação aos perturbadores da paz também é muito prejudicial para o novo crente, conforme afirma Paulo: “aquele que vos perturba, seja quem for, sofrerá a condenação” (5.10b). Paulo ilustra a sentença com a imagem do fermento e seu poder transformador na massa. Obviamente, tal condenação deveria ser a exclusão desses indivíduos que deturpavam o evangelho da comunidade cristã na Galácia.

10. Há, portanto, grande responsabilidade pesando sobre os ombros da igreja, a do exercício da disciplina cristã, quando é o caso da descaracterização do evangelho por qualquer de seus membros, mesmos aqueles que parecem ter funções de liderança. Esse processo disciplinar deve ficar sempre caracterizado pelo desejo de resgatar a verdade do evangelho. Caso haja manifestação de arrependimento, diante de Deus, por parte da pessoa ofensora, restaura-se a ordem. Fala-se de “processo” disciplinar, porque a igreja precisa permitir o direito de defesa dos acusados, (se possível) visitá-los em comitiva autorizada pela Assembléia regular e, ainda, exercer o direito da exclusão do membro, caso fique comprovada sua atitude errônea e a sua não-manifestação de arrependimento diante de Deus e da igreja.

11. Dentre os perigos vividos na própria individualidade, está a atitude de vanglória (5.26), que é o mesmo que tornar-se envaidecido, ou pior, presunção em demasia ou sem razão, quase sempre em detrimento dos outros.

12. Essas dificuldades iniciais do novo crente em Cristo são reais. Devemos resistir a elas e, com vigor, permanecer trilhando o bom caminho que escolhemos. Para isso, é fundamental a convivência no templo: “não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros...” (Hb 10.25a). A vida em comunidade nos prepara para o enfrentamento do pecado, afinal, como afirma o escritor aos Hebreus, acerca da igreja: “Nós, porém, não somos daqueles que recuam para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma” (Hb 10.39). 

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo VII
O testemunho
apostólico acerca de Cristo


1. O testemunho do evangelho de Cristo tem na cidade de Jerusalém o seu ponto de partida. Mesmo Paulo, que fora chamado por Deus para pregar o evangelho nas mais distantes regiões do mundo, teve que passar por Jerusalém (1.18). Jerusalém era o centro mais importante para a formação religiosa dos judeus, sendo a pátria do culto judaico e o berço da igreja cristã.

2. O provável motivo de Paulo é a necessidade de compartilhar sua experiência missionária. Enquanto ele trabalhava entre os gentios, os demais apóstolos testemunhavam em meio aos cristãos judeus. Ele queria dar-se a conhecer: “não era conhecido de vista das igrejas da Judéia” (1.22). Na Carta aos Gálatas, Paulo nos informa sobre duas dessas visitas: uma ocorrida três anos depois de sua conversão, quando se encontrou com os apóstolos Pedro e Tiago, e outra, mais de uma década depois, em que fora acompanhado por dois companheiros de missão: Barnabé e Tito.

3. Os apóstolos que trabalhavam antes de Paulo constituíam-se na liderança da igreja primitiva, sendo que dentre os que pregavam aos judeus se destacam dois: Tiago, irmão de Jesus e Simão Pedro, a quem Paulo chama pelo apelido Cefas ou por Pedro (que quer dizer rocha). Paulo coloca junto deles um terceiro apóstolo: João, o discípulo amado (1.18,19; 2.9).

4. Não se deve menosprezar a importância de Pedro para a igreja recém surgida. Além da confissão de fé narrada pelo evangelista Mateus (16.16-18), o testemunho de Paulo na Carta aos Gálatas reafirma Pedro como uma autoridade reconhecida pelas igrejas do mundo gentílico. A afirmação de Mateus formaria a base da fundação da igreja, e Pedro se tornaria porta-voz da herança evangélica deixada por Jesus. Tão proeminente era Pedro que, mesmo sem ter jamais visitado a cidade de Corinto, tinha lá seus partidários (1Co 1.12).

5. A Igreja Católica Apostólica Romana crê que seus Pontífices (Papas) sejam herdeiros desde primado de Pedro, constituindo-se eles mesmos nos mandatários da igreja cristã em todo o mundo, através dos tempos. Nós, cristãos evangélicos batistas, rejeitamos esta posição, pois não percebemos, nas páginas do Novo Testamento, orientações para que os apóstolos fossem substituídos após sua morte. Serviram, de fato, como líderes, mas seu papel não era permanente, e sim escatológico.

6. Tiago é reconhecido como o primeiro líder administrativo (pastor) da igreja em Jerusalém, e não um sucessor de Pedro, nem como bispo, nem como papa. Tem papel fundamental no concílio da igreja em Jerusalém (At 15) que decidiu pela aceitação dos gentios na igreja. Esse concílio aconteceu devido aos resultados positivos da primeira viagem missionária de Paulo. Os líderes judeus insistiam na circuncisão dos gentios convertidos para que esses fossem aceitos. Com a recusa de Paulo à escravidão da lei, e seu apego à liberdade da graça, a questão foi decidida diante da palavra dos apóstolos. Tiago ficou com a última palavra, favorável à tese de Paulo.

7. A estratégia adotada por Paulo no seu confronto com a liderança da igreja em Jerusalém não pode passar despercebida: “expus o evangelho que prego entre os gentios, mas em particular aos que eram de destaque...” (2.2)

8. Não é sem razão, portanto, que Paulo considere os apóstolos que o antecederam “colunas” (2.9), pessoas de autoridade, principalmente, no campo da exposição do evangelho da salvação (doutrina). Essa era uma lembrança necessária à igreja na Galácia, que parecia estar incorrendo no mesmo erro anterior.

9. Dentre os companheiros de Paulo, citados em Gálatas, Tito tornou-se um líder da igreja gentílica, a quem Paulo escreveu uma carta quando estava preso, deixando orientações para a continuidade da obra missionária. Barnabé, por sua vez, tem sua história relatada por Lucas no livro de Atos com maior nitidez. Era um levita originário da ilha de Chipre, um homem de valor no campo intelectual e que possuía boa formação bíblica.

10. Em Gálatas 2.7-9, pode-se perceber a clara divisão geográfica do testemunho evangélico apostólico. Paulo advoga para si (e seus companheiros de viagem) o trabalho junto aos incircuncisos (não-judeus ou gentios), enquanto que Pedro, na mesma medida, fica responsável pelos judeus (os da circuncisão). Isso demonstra a proposta do evangelho de tornar Cristo conhecido em todos os lugares, para a salvação de todo aquele que crê, sem distinção de raça, cor ou origem.

11. Paulo causa surpresa ao apresentar, no texto de Gálatas, um momento de tensão entre ele e o apóstolo Pedro (2.11-s). A questão está relacionada a uma atitude perigosa tomada por Pedro, quando visitara a igreja em Antioquia da Síria, à época sob a liderança de Barnabé e Paulo (At 11.20-26): “antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os gentios; mas quando eles chegaram, se foi retirando e se apartava deles, temendo os que eram da circuncisão”. Pedro, cedendo às pressões dos judeus que chegaram de Jerusalém, passou a evitar a companhia dos gentios com os quais estava compartilhando sua refeição. Tal acepção de pessoas é algo condenável ao comportamento cristão, afinal, todos os que ali estavam eram irmãos em Cristo. Por essa razão Paulo fala sobre Pedro: “resisti-lhe cara a cara”, ou seja, repreendeu-o em sua conduta hipócrita.

12. Lembremo-nos de agradecer a Deus por esses servos que atenderam à vocação apostólica e empreenderam suas energias e esforços para evangelizarem o mundo de sua época. Que eles nos sirvam como exemplos para a nossa conduta diante do desafio da evangelização mundial.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo VI

o que vem
de Cristo

1. A partir da libertação do pecado, proporcionada por Deus ao pecador, o cristão passa a receber muitas bênçãos. Eis, portanto, vindas de Cristo, as bênçãos celestiais sobre nós, tal qual nos apresenta Paulo.

2. Na epístola aos Gálatas, o apóstolo Paulo usa a expressão “de Cristo” depois de cada bênção específica. “De Cristo” pode significar “pela mediação de Cristo” – o que ocorre quando Paulo fala da escolha para que ele fosse apóstolo – ou, então, “que procede de Cristo ou é causada por ele”, na maioria das vezes.

3. Paulo fala de seu “apostolado por Jesus Cristo” (1.1). Jesus Cristo é o agente do chamado de Paulo para o ministério apostólico. Assim, entendemos que nossa vocação tem origem em Deus. Nada somos no reino dele por nós mesmos. Ele nos capacita para exercer nossa vocação.

4. Paulo apresenta também “a graça do Senhor Jesus Cristo” (1.3), que foi efetivada pelo desprendimento do próprio Deus, “que deu o seu Filho unigênito” para salvar os pecadores (Jo 3.16). É interessante que a graça de Deus só pode existir “em Cristo”. Fomos chamados para viver “na graça de Cristo”, envolvidos por Cristo (1.6; 6.18).

5. Paulo também fala da “paz de Cristo” (1.3). Aqui, quer mostrar Jesus como o mediador da paz (reconciliação) entre Deus e o homem pecador. Notemos, irmãos, que essa paz, produzida pela liberdade da culpa do pecado, traz segurança e tranquilidade, inclusive para as relações entre os crentes na igreja. Como afirmou Paulo, em outra de suas epístolas, a paz de Cristo cria laços fortíssimos de companheirismo (Ef 4.3).

6. Paulo aborda, também, a questão do “evangelho de Cristo” (1.7). Refere-se à pregação do evangelho que tem Cristo como conteúdo. A mensagem precisa ter Cristo como centro. Na carta aos Gálatas, o desvio intencional na mensagem é considerado uma perversão, uma descaracterização do evangelho (1.6-9). Por essa razão, luto, como pastor-educador na igreja local, para zelar pelo conteúdo cristão expresso no ato de culto, na escola bíblica, nas canções de louvor e na pregação de púlpito.

7. Um episódio muito debatido nesta Carta aos Gálatas é quando Paulo fala que o conteúdo de sua proclamação apostólica vem “da revelação de Jesus Cristo” (1.12,16). O apóstolo parece se referir, com esta expressão, ao episódio de sua conversão em Atos 9. Na passagem, Paulo viajava de Jerusalém para Damasco, a fim de prender os cristãos. Ele foi jogado da sela de seu cavalo ao chão, e se viu cercado por um enorme clarão de luz. Ali, Paulo ouviu o próprio Cristo ressurreto questioná-lo quanto à sua ação contra os cristãos. A vida de serviço deste homem de Deus começava. Notem que essa revelação é o desvendamento, por iniciativa de Deus (Ef 1.9), do seu propósito secreto nas relações com o homem, fazendo-o ver a real condição de perdição eterna e permitindo-lhe uma mudança de rumo. Não se refere, portanto, a descobertas diárias e contínuas da vontade de Deus, pois estas se fazem pelo estudo bíblico e pela oração.

8. Como já afirmou em tantas outras Cartas, Paulo dá muita ênfase ao “Espírito de Cristo” (4.6). Com isso quer dizer que Cristo se faz presente e atuante na relação do crente na pessoa do Espírito Santo. Nessa passagem de Gálatas, encontra-se a doutrina da habitação plena do Espírito Santo no salvo. É o Espírito Santo o agente da salvação. O doador da vida e o mantenedor da condição liberta do cristão. Segundo diz Paulo, em Gálatas 3.2, isso se dá quando o pecador crê: “pelo ouvir com fé” se recebe o Espírito e tem início a nova vida. Cremos, portanto, que não pode haver nova vida sem que o Espírito Santo esteja no crente.

9. Um dos temas centrais da Carta aos Gálatas é “a liberdade de Cristo” (5.1). Quando Paulo afirma que fomos libertos “para a liberdade”, não quer dizer que não há normas ou regras no viver cristão, ou que o cristão pode fazer qualquer coisa. Paulo explica que a liberdade do Espírito de Cristo é um estilo de vida em oposição ao pecado, em direção à vontade de Deus. É liberdade “do pecado” para “o serviço a Deus”. Não há lugar para legalismo e justificação por obras. Obras não salvam. São consequências naturais de uma vida guiada pelo Espírito.

10. A “lei de Cristo” (6.2) se encontra no final da carta, como que resumindo o pensamento de Paulo sobre a força motriz da liberdade. É preciso “cumprir” a lei de Cristo, isto é, buscar que Cristo preencha totalmente e em toda a medida a própria vida. Paulo explicara, um pouco antes, em Gálatas 5.13 e 14, que a lei tem importância para o cristão, mas que ela se materializa num único gesto: o amor. O amor que devemos a Deus nos leva para a atitude de serviço ao próximo (5.13).

11. A “cruz de Cristo” é, muitas vezes, motivo de perseguições para o crente (6.12). À época dessa Carta, com certeza, ser cristão era ter a vida ameaçada a cada instante. Paulo explica que os cristãos da Galácia estavam sendo tentados a se unirem ao judaísmo (uma religião tolerada pelo Império Romano) para, assim, fugir das perseguições movidas pelo império contra os seguidores de Cristo, considerados por eles como agitadores da ordem e inimigos do estado. Para Paulo, ser cristão é “estar crucificado com Cristo” (6.14), o que é um motivo de glória, isto é, o sentimento de confiança na eficácia da obra de Cristo em nós. Fomos libertados do pecado (o mundo está crucificado para nós) para servir a Deus (estamos crucificados para o mundo).

12. De fato, muitas bênçãos provêm de Cristo em nossa vida. Mas não aquelas que constituem o desejo materialista de nossa sociedade moderna. Enquanto alguns, dizendo-se religiosos, proclamam em alta voz que Deus quer vos dar um “bom” emprego, prosperidade econômica, carro, casa etc., Paulo afirma que “em Cristo” Deus vos dá graça, paz, uma mensagem para proclamar, a revelação de seu propósito para a vossa vida, a liberdade das amarras do pecado, uma disposição insuperável para amar, um desejo de servi-lo. Atentemos, pois, para estas coisas e, com efeito, ao buscá-las, todas as demais nos serão acrescentadas (Mt 6.33).

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo V

a nova percepção
de vida do cristão


1. Nada é tão lindo para o cristão do que a nova maneira de ver o mundo e viver nele após sua conversão a Jesus... Mas como isso se dá? Quais são os principais acontecimentos que dão origem a esta mudança? As pessoas à nossa volta conseguem notá-la? Paulo pretende mostrar nos mínimos detalhes sua experiência com Cristo. Vamos ouvi-lo:

2. A mudança na vida do apóstolo aconteceu quando “aprouve a Deus” (1.15a), ou seja, quando Deus resolveu, desejou. Ele já havia afirmado que homem algum o tinha ensinado ou convocado para a missão de sua vida, mas o próprio Deus fora responsável por sua mudança.

3. A mudança ocorreu porque Deus o havia separado “desde o ventre da mãe” (1.15b), ou seja, que Deus decidira que daria termo ao seu desejo para a vida e a carreira de Paulo, designando-o como apóstolo, conduzindo-o durante toda a sua existência.

4. A mudança ocorreu porque Paulo respondeu ao chamado de Deus, como um favor imerecido, mas livremente outorgado pela bondade divina, que a todos quer salvar. Diz-nos o apóstolo: “e me chamou pela sua graça” (1.15b).

5. Pela instrumentalidade da graça, Deus concede aos pecadores, que estão destituídos de méritos pessoais, o perdão de suas ofensas, ao mesmo tempo em que estende o convite para que recebam a salvação eterna em Cristo;

6. Todos nós, que respondemos ao chamado da graça, pela conversão a Cristo, somos guardados, fortalecidos e aumentados em nossa fé e conhecimento de Deus, para que Cristo seja formado em nós (4.19b).

7. Essa formação se dá pela reprodução do caráter de Cristo em cada salvo, quando o mesmo vive em obediência aos mandamentos de Deus. Por isso afirmou o apóstolo João: “Mas qualquer que guarda a sua palavra, nele realmente se tem aperfeiçoado amor de Deus. E nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz estar nele, também deve andar como ele andou” (1Jo 2.5,6).

8. A mudança ocorrida é percebida por todos, conforme podeis conferir na leitura dos últimos versículos do primeiro capítulo: “Não era conhecido de vista das igrejas de Cristo na Judéia; mas somente tinham ouvido dizer: Aquele que outrora nos perseguia agora prega a fé que antes procurava destruir; e glorificavam a Deus a respeito de mim”.

9. Os cristãos que habitavam na região da Judéia, depois de terem ouvido que aquele homem perigoso, que perseguia os cristãos e os encerrava em prisões ou consentia na sua morte, agora pregava o evangelho da salvação, passaram a exaltá-lo, revesti-lo de honra (v. 24).

10. A mudança ocorrida na vida do homem que se entregou aos cuidados de Cristo é facilmente perceptível ao mundo. O comportamento antigo, que era conduzido pela natureza humana pecaminosa, é substituído por outro, de grande impacto.

11. Essa mudança pode ser entendida com uma imagem interessante: Imaginemos uma população vivendo numa cidade pequena, cercada de altos muros por todos os lados. São tão altos, que impedem a visão para fora dos limites da cidade. Num certo dia, um relâmpago atingiu uma grande árvore, que foi derrubada em direção ao muro. Um morador da cidade resolveu escalar aquela árvore e, surpreso, vislumbrou nos arredores da cidade uma grande e bela pradaria, com animais pastando tranqüilos, e mais ao longe um rio que alimentava uma bela floresta. Aquele homem deu pulos de alegria, desceu e contou a novidade aos outros. Muito rapidamente, abriram uma passagem e saíram para não mais voltar. Afinal, o outro mundo era melhor.

12. Assim se explica a libertação espiritual do cristão. Antes, vivia cercado pelos muros do pecado, sem perceber a beleza da vida que Deus proporcionava ao seu redor. Agora, com a salvação recebida pela fé em Cristo Jesus, foi derrubado o muro do pecado, e abriu-se uma porta para a chegada ao reino dos céus. A grande mudança foi de um reino (o do pecado) para outro (o de Cristo). Por essa razão, Paulo disse: “Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo” (1.10b).

domingo, 10 de janeiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo IV

Uma espiada na
velha vida

1. Será que paramos para pensar sobre quem éramos antes de Jesus Cristo mudar o rumo de nossa caminhada? Na velocidade em que a vida passa diante de nossos olhos, nem sempre nos detemos para essa importante reflexão. Entretanto, essa ação se constitui num dado relevante para o bem-estar das nossas relações cristãs no presente.

2. Às vezes, nossa história passada não oferece muitas possibilidades de orgulho e sentimento de bem-estar. A imagem que temos de nós mesmos encontra-se esvaziada, desvitalizada, isso porque está perdida na padronização que o pecado nos impõe. O fato é que perdemos nossa singularidade, aquela fagulha que mostrava nosso potencial único e pessoal, e que nos distinguia de todos os demais. O pecado iguala todos os homens numa categoria: a das pessoas que têm, dentro de si, neutralizada a potencialidade criativa para a relação com o Criador e com os demais.

3. Mas isso não deve ser assim. O passado pode se tornar num instrumento de transformação, se a imagem que tivermos dele incorporar um paradoxo com o presente. Ou seja, olhar o passado com a perspectiva de quem mudou, avançou, progrediu, ganhou vida.

4. Uma das maneiras de falar do passado é por meio do testemunho. Isso ocorre quando um cristão é convidado pela igreja para falar como era a vida antes de Cristo, e como ficou depois da adesão à fé cristã.

5. Em Gálatas, Paulo foi forçado a fundamentar sua autoridade como apóstolo, pois ele estava sofrendo severas críticas de seus oponentes, todos eles posicionando-se em favor da lei e das tradições judaicas. Paulo precisou fazer uso dessa visão geral de sua conversão, incluindo até mesmo um relato de seu comportamento agressivo contra a igreja, quando ele estava a serviço do Sinédrio. Vamos entender por quê:

6. Em primeiro lugar, como uma tentativa de embasar sua luta contra o legalismo. É obvio que, para aqueles que defendiam a observância estrita das leis para a salvação, o currículo apresentado por Paulo é de causar inveja. Vejamos:

7. Ele diz que perseguia a igreja e a assolava, isto é, buscava a sua destruição (1.13). São palavras dele: “na minha nação excedia em judaísmo a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais” (1.14)

8. Paulo pretendia mostrar que tinha uma posição de destaque entre todos aqueles que adotavam os costumes e ritos judaicos. Seu passado, aos olhos dos judeus, era impecável.

9. Ser “zeloso das tradições dos antepassados” significa demonstrar lealdade intensa à religião judaica e uma ardente devoção ao estrato religioso mais separatista e legalista dos judeus: os fariseus.

10. Os opositores de Paulo teriam tal testemunho a dar? Com toda a certeza, não. Mas aí se encontra a grande cartada de Paulo. Ele abriu mão de tudo isso por amor a Jesus Cristo, em favor da salvação pela graça! Ele agora já incorporava a diferença, aquela singularidade trazida pela nova condição espiritual em Cristo Jesus.

11. Muitos estranham a atitude de Paulo, de testemunhar a passagem da maneira antiga de viver para a atual condição, em Gálatas. Entendamos: não se tratava apenas de buscar a exaltação pessoal. Paulo não se orgulhava do que fizera no passado. Mas ele sabia que Deus o escolhera, um zeloso fariseu, para, com sua própria vida, trabalhar para a conversão de outros como ele ao Senhor Jesus.

12. Com a suspeição dos judeus para com Paulo, devido ao seu passado, o apóstolo tornou-se o missionário maior dos não-judeus, os gentios. Fica para nós uma lição: Não podemos deixar de demonstrar com coragem e alegria o fato de termos sido resgatados de nossa antiga forma de viver. Com o nosso testemunho, Deus pode convencer outros que viviam como nós, trazendo-os para a mesma realidade da liberdade em que agora vivemos.