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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XX
As MARCAS
de Jesus
(Consequências de nossa escolha de vida)

1. A declaração de Paulo “Daqui em diante ninguém me moleste; porque eu trago no corpo as marcas de Jesus” (6.17) sempre me conduziu a uma reflexão sobre o significado de dizer-se cristão num mundo cada vez mais secularizado. Depois de ter lido Paulo, foi a descoberta e a leitura da carta de Inácio de Antioquia, um importante bispo que também escreveu aos Romanos, que me abriu os olhos para essa questão. Por essa razão, a citação de Inácio abre esse comentário. Como afirmou Paulo, e também Inácio, insisto, amados, que ser cristão é ser liberto do pecado para servir a Deus, pela fé em Jesus Cristo. Paulo, que é nosso personagem principal durante essa jornada literária, apesar de toda a grandiosidade de seu pensamento e do trabalho missionário em prol dos gálatas, foi muito injustiçado, pois falsos líderes e crentes imaturos perverteram o seu ensino e o perseguiram. Seus opositores eram judeus, cuja religiosidade se sustentava em rituais e atos cerimoniais exteriores. Um destes atos (a circuncisão) deixava uma marca física no corpo de cada homem. Paulo afirma que a “aparência na carne” (6.12) e a “glória na carne” (6.13) não são as marcas deixadas por Jesus em nós. Resulta daí que nós, cristãos, não precisamos de rituais e atos cerimoniais exteriores, e sim da religião interior (cujo fundamento é o amor – 5.14) provocada pelo encontro com o Salvador.

2. A pergunta, para todos aqueles que congregam sob qualquer liderança pastoral, é: podemos afirmar como Paulo, que trazemos no corpo as marcas de Jesus? Ou seja, podemos dizer que a partir de Jesus, vivemos de uma maneira nova, diferente e melhor? (6.15) Esperamos que sim! Eis, portanto, a nossa percepção acerca das marcas deixadas por Jesus em nós, segundo Paulo nos afirma em Gálatas:

3. A primeira marca: A TRANSFORMAÇÃO RADICAL EM NOSSO SER: “Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão é coisa alguma, mas sim o ser nova criatura” (6.15). Ninguém é mais a mesma pessoa depois de ter se encontrado com Cristo. Que o diga Paulo, que era notável pelo seu zelo religioso como perseguidor dos primeiros cristãos (1.13,14), e que, segundo a misericórdia do nosso Deus, foi transformado, para tornar-se um dos maiores mensageiros da verdade do evangelho em todos os tempos. Não nos esqueçamos de manifestar, nitidamente, a transformação ocorrida, em nosso caráter, em nosso comportamento. Isso é permitir (como afirmou Inácio) a manifestação da fé ao mundo.

4. A segunda marca: A LIBERDADE CONQUISTADA PARA NÓS NA CRUZ POR CRISTO JESUS: “o qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau...” (1.4a). Essa liberdade é uma condição de nossa nova natureza, e a mera possibilidade de abrir mão dela é algo abominável (1.8,9). Essa liberdade é liberdade do domínio escravizador do pecado, como bem afirmou o apóstolo João: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36). Dentre as várias imagens bíblicas para essa libertação espiritual, muito me chama a atenção aquela que Paulo usa em Gálatas: “Portanto, não és mais servo [do pecado], mas filho..." [e livre!] (4.7a).

5. A terceira marca: A JUSTIFICAÇÃO DE DEUS PARA OS NOSSOS PECADOS, PELA FÉ EM JESUS, SALVADOR E SENHOR DA VIDA: “...temos crido em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo...” (2.16). A justificação deve ser entendida no contexto da ausência de dolo, sendo a declaração divina de nosso salvo-conduto, do perdão de nossa pecaminosidade. Por isso, ela se fundamenta em Deus, pois só ele pode “nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo 1.9b).

6. A quarta marca: O CONSOLO DO ESPÍRITO SANTO DE DEUS, recebido após o ato da fé salvadora: “Cristo nos resgatou da maldição da lei... a fim de que nós recebêssemos pela fé a promessa do Espírito” (3.13a, 14b). A esse recebimento, Paulo chamou “batismo” em Cristo (3.27). Em Gálatas, Paulo usa também o sinônimo “revestimento de Cristo”, ou seja, que pela habitação do Espírito Santo em nós, somos revestidos da graça salvadora, dos dons espirituais e do caráter de Cristo. Ninguém pode se afirmar cristão sem a experiência do revestimento do Espírito! Para nós, batistas, o revestimento do Espírito é o batismo no/do/pelo/com o Espírito! Ele ocorre no ato da fé, como bem explica Paulo em Gálatas e em todas as suas cartas. Cremos também que o revestimento/batismo do Espírito está ligado à multiplicidade de dons que o Espírito disponibiliza para a igreja, a fim de que ela realize sua missão e que haja unidade espiritual, e não desunião. O Espírito Santo não nos faz diferentes dos outros cristãos ou melhores do que eles. Insisto em que todos vós leiais o que Paulo escreveu em Efésios 4.1-16, que apresenta o vínculo que nos une a todos (cristãos de todas as denominações): o revestimento do Espírito Santo. Na leitura, encontraremos: um só corpo (a igreja), um só Espírito (para todo o corpo), uma só esperança (a glória), um só Senhor (Jesus), uma só fé (evangélica), um só batismo (que não é o das águas, mas o recebimento/revestimento do Espírito), um só Deus... Na leitura, veremos que a cada um de nós (v. 7) foi dada a graça conforme o Dom (com “D”, o Espírito Santo) de Deus. Também, que o Espírito Santo concede dons espirituais (com “d”, os carismas e capacitações especiais) “tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito...” (Ef 4.12). Paulo citou apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres (que nos sirva de exemplo!). É pela presença gloriosa do Espírito em nós, para nos edificar, consolar, purificar e santificar, é pelo revestimento do Espírito que fomos unidos ao corpo de Cristo e pertencemos à família de Deus: “E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho...” (4.6).

7. A quinta marca: O DESEJO DE VIVER EM SANTIDADE DE VIDA. A metáfora que Paulo usa para a santificação do crente é “andar pelo Espírito” (como já indiquei no capítulo XVII, 2): “Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito” (5.25). Para Paulo, a santificação é o comportamento contrário aos desejos carnais (5.16). Por essa razão, creio, é literal a expressão que sem a santificação “ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). A verdade é que, ao participar de Cristo e, pelo recebimento do Espírito, temos sido investidos do seu caráter santo! A santidade é o objetivo a ser alcançado: “mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em todo o vosso procedimento” (1Pe 1.15). A ausência de santidade traz-nos problemas sérios, como pode ser percebido no exemplo de Josué, derrotado diante dos habitantes da cidade de Ai, por terem se tornado impuros (Js 7). Muitas de nossas frustrações são resultados de um viver “carnal” (5.17), ou seja, de um viver em que somos vencidos por nossos desejos pecaminosos. Mas há esperança: a liberdade de Cristo implica no desejo de lutar/vencer a cobiça da carne. Para isto, basta que nos deixemos guiar pelo Espírito de Deus (5.18).

8. A sexta marca: A MUTUALIDADE. Paulo nos ensina isto, ao afirmar: “Levai as cargas uns dos outros” (6.2). Este caráter comum do cuidado e da comunhão que move os relacionamentos cristãos nos diferencia do mundo ao nosso redor. Para comprovar o fato, basta ouvir (entendendo o que se diz) os cantores de Rock. Dizem em suas canções “I don’t care! (Eu não ligo!), “They don’t care” (Eles não se importam!), “Nobody cares”” (ninguém tá nem aí!). Mensagens com esse teor mostram que no mundo persiste a ausência de mutualidade. É a total desesperança, o sentimento de isolamento, de não ter alguém em quem confiar ou com quem contar... Cristo mudou essa realidade em nossa vida, pois ele se importou conosco, e o fez até a morte, e morte de cruz! Ele deseja que nos importemos com os demais, também. No famoso episódio do lava-pés, Jesus ensinou os seus discípulos (e a nós, seus filhos) a serem servos uns dos outros. Isso precisa acontecer porque nem todos somos fortes de espírito, ou animados. Nossa existência anterior à conversão nos acompanhará para sempre na nova jornada de fé. Alguns trazem traumas da infância, outros ainda sofrem com suas perdas, outros com o luto etc. Que seria da igreja sem a mutualidade, sem o cuidado mútuo? Paulo escreveu em outras cartas sobre isto. Aos Romanos, disse: “Nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos...” (15.1). Aos Tessalonicenses, disse: “...consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes com todos” (1Ts 5.14). Não percamos tempo. Procuremos por outros que estão necessitando de ajuda, de um abraço amigo, de um conselho, de um telefonema, de um simples “Eu me importo!” É o que Paulo quis dizer com a expressão “façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (6.10).

9. A sétima marca: O APREÇO PELOS QUE MINISTRAM NA CASA DE DEUS. Algumas senhoras presenciaram uma conversa animada que tive com a diaconisa Lídia, ovelha de meu primeiro ministério, quando pastoreava, no início da década de 90, a Igreja Batista Jardim Monte Castelo, em Nova Iguaçu, RJ. O episódio ocorreu no domingo em que voltava da visita ao Lar Esperança do Idoso em Vila de Cava, onde se encontrava a irmã Isabel. Quando a diaconisa Lídia viu meu carro estacionando no seu portão, ela apressou o passo, pois vinha andando pela rua, e não conseguiu conter a sua alegria. Muito animada, falava com as irmãs (diaconisas Deusedite e Avani e com a irmã Geni) sobre episódios passados e vividos entre ela e seu ex-pastor. Lembrou dos bolos, de meus filhos e dos gostos pessoais deles, do carinho nas relações que tínhamos. É desse tipo de lembrança que Paulo faz menção na carta aos Gálatas, “o que está sendo instruído na palavra, faça participante em todas as coisas boas aquele que o instrui” (6.6). Atitudes assim dão conta da gratidão, do carinho, da atenção que toda a igreja cristã tem por seus pastores. Agradeço, com todo o coração, por todos os votos de saúde, paz e prosperidade que recebi de meus irmãos e amigos. É uma lembrança que cada pastor leva consigo para toda a vida.

10. A oitava marca: TRABALHAR/SERVIR PARA A GLÓRIA DE DEUS. É o que Paulo quer mostrar, na afirmação: “longe esteja de mim gloriar-me...” (6.11a), pois não há méritos em nossas ações. Ele conclui: “a não ser na cruz de Cristo...” (6.14b). É, portanto, natural para a igreja cristã projetar toda a glória e honra de suas atividades para Jesus Cristo, “o autor e consumador de nossa fé” (Hb 5.9). A realidade de muitas de nossas igrejas, no que diz respeito às posses materiais e aos recursos humanos, reforça a mensagem que somente Deus poderia realizar tanto em tão pouco tempo... Como afirmou Lucas: “Cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos” (At 2.47b). É graças a ele que vivemos “tempos de refrigério” (At 3.19b). É em gratidão a tudo o que Deus realiza em nosso meio que vivemos para servi-lo, com alegria em nossos corações.

11. A nona marca: A PERSISTÊNCIA. Não desistir jamais é uma característica natural do salvo, daquele que foi liberto das amarras do pecado. Causou surpresa a Paulo saber que os cristãos da Galácia estivessem pensando em deixar o evangelho de Cristo para voltarem à fé judaica: “Estou admirado de que tão depressa estejais desertando daquele que vos chamou da graça de Cristo para outro evangelho” (1.6). E mais: “...estou perplexo a vosso respeito” (4.20b). O que Paulo esperava deles era a persistência: “...permanecei, pois, firmes e não vos dobreis novamente a um jugo de escravidão” (5.1b). Todavia, para muitos crentes, a nova condição parece pior do que a anterior! Isso ocorre por causa do impacto das exigências éticas cristãs. Por exemplo, analisemos o caso de um político corrupto que se converte a Cristo. Como enriqueceu ilicitamente, ao ser liberto do pecado, vê-se às voltas com sua consciência cristã e com uma visão não muito promissora financeiramente, pois tem o dever da restituição, da retidão e da justiça. Pode ser tentado à saída mais fácil: tornar-se um crente distante, não-engajado, enfraquecido espiritualmente, ou optar por manter sua riqueza. Quem agiu assim foi o jovem rico (Mt 19.16-30), descrito com detalhes por Jesus como alguém que esperava manter a fé e a riqueza ilícita também... (Convém pensar aqui na perversidade natural do sistema econômico em si...) A história deste jovem é mais ou menos assim: ele se aproxima de Jesus, pergunta-lhe sobre as atitudes corretas que poderiam levá-lo para o céu. Jesus, por sua vez, afirma ao jovem que deve renunciar a sua riqueza terrena (pois era ilícita) e segui-lo (sob as suas condições). Mateus chega a afirmar sobre a decepção do jovem: “ouvindo essas palavras, retirou-se triste; porque possuía muitos bens”. Isso não quer dizer que todas as riquezas são ilícitas ou que o cristão que vem a Cristo de posse de muitos bens precise distribuir seus tesouros com os pobres e fazer votos de pobreza para servir a Jesus. O que está em jogo aqui é a certeza de depender exclusivamente de Deus para prosseguir/persistir na fé! Entre nós, o povo de Deus, não há hierarquia ou classes de pessoas [ricas e pobres; inteligentes e obtusas, brancas e negras] no tocante a Deus e à salvação. Deus só faz uma exigência: a fé. Por ela, “aguardamos a esperança da justiça [de Deus]” (5.5b).

12. Como vimos, as marcas de Cristo estão em nós porque somos “guiados pelo Espírito” e não estamos mais debaixo da lei (5.18). Se antes de nossa conversão a Cristo vivíamos escravizados pelo pecado e fazíamos coisas que não agradavam a Deus, sem ter consciência plena disso, hoje, o Senhor Jesus deixa em nós marcas indeléveis de sua presença, pela orientação de seu Santo Espírito. Quanto mais dependemos do Espírito Santo, melhor será a nossa qualidade de vida. A obediência à orientação do Espírito não é algo simples como um dispositivo de piloto automático. Ela depende de nossa relação com a Palavra de Deus, relação de confiança e de compromisso, o que nos impedirá de retornar à antiga condição.

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