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domingo, 7 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XIX

O papel da
CRUZ em Gálatas

(Motivo de glória para o crente)

1. Nos aproximamos da parte final da epístola (cap 6). Ali, o apóstolo retoma o tema da cruz, aplicando-o à nova realidade diante da qual o cristão se defronta. Esse símbolo permanece um dos mais impactantes para a história da humanidade e, ainda mais, para aqueles que foram perdoados pelo sangue derramado por Jesus na cruz do Calvário.

2. Mas “qual é o papel da cruz em nossa vida?” E, num desdobramento dessa questão, “Que símbolos são evocados quando pensamos na cruz?”

3. Talvez pairem dúvidas em relação ao símbolo da cruz. Muitas delas têm origem no universo mental católico, no costume de usar o crucifixo como uma espécie de amuleto. Afinal, qual a relevância da cruz para nós, os cristãos evangélicos batistas?  Devemos usar essa imagem em ocasiões especiais, como por exemplo os cartazes para conferências evangelísticas, ou mesmo timidamente, na forma de pequenos broches, brincos, cordões?

4. A verdade é que não deveríamos ter medo da cruz e de seu símbolo, e sim, nos apropriarmos dos sentidos presentes no pensamento cristão envolvendo a cruz. Foi isso que Paulo fez nessa carta, que tenho procurado interpretar nesta obra. Eis alguns argumentos importantes:

5. A cruz é o único motivo de glória para o cristão: “...longe esteja de mim, gloriar-me, a não ser na cruz...” (6.14). Segundo esse ensinamento, não há nenhuma ação que possa resultar na salvação do crente, senão aquela em que Deus “deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3.16). Os judeus exaltavam seus méritos pessoais de observarem as leis de Moisés, numa tentativa de autojustificação diante de Deus. Paulo, que tinha reais motivos para vanglória pessoal, ensina que o cristão não pode proceder assim, pois sua justificação não está nele e nem em suas ações, mas em Cristo.

6. A verdadeira cruz é aquela na qual Jesus sofreu e não aquela em que o cristão se coloca. Um episódio do Antigo Testamento ilustra bem essa verdade: Na passagem designada “as águas de Meribá” (Nm 20.2-13), Moisés, diante do povo sedento, ousou levar sobre si a capacidade de livrar o povo de sua sede, omitindo que aquela ação (ferir a rocha e encontrar água) teria sido orientada por Deus, o verdadeiro autor do milagre. O gesto de Moisés era natural, pois ele tinha amplo conhecimento da região e de suas escassas fontes naturais de água. Deus repreendeu Moisés, duramente, por causa disso (v. 12), e nem mesmo permitiu que ele entrasse na terra prometida com o povo (só pôde vê-la de longe...). Moisés pecou ao querer se colocar no lugar de Deus. Em relação à cruz, o mesmo princípio ocorre: quando o crente busca justificar sua condição de salvo por seus próprios méritos, ele se coloca no lugar de Cristo. O que ele não compreende é que Deus precisou assumir o nosso lugar na cruz, porque nenhum de nós poderia ocupá-la, nem em prol de nós mesmos nem em prol dos outros. Todo o mérito é de Deus.

7. Na cruz de Cristo o impacto do pecado sobre o crente é esvaziado. Esse ímpeto pode ser percebido em várias declarações bíblicas. Uma das mais marcantes é a de Jesus, no ensino relatado no Evangelho de Marcos 7.21-23: “...é do interior, do coração dos homens, que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios, a cobiça, as maldades, o dolo, a libertinagem, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez; Todas estas más coisas procedem de dentro e contaminam o homem.” O homem só pode enfrentar o pecado interior, e vencê-lo, pelos méritos da cruz de Cristo, pela instrumentalidade do ato salvador de Jesus na cruz! Por isso, Paulo afirmou “que o mundo está crucificado para nós” (6.14). A construção verbal traduzida aqui “estar crucificado” aponta para uma ação completa, aperfeiçoada. O que importa é que ação foi concluída, e que seus efeitos permanecem. Na aceitação do sacrifício de Jesus na cruz, como Mediador entre Deus e nós, e como Salvador e Senhor, o cristão pode dar as costas para o mundo, pois este não tem mais o mesmo apelo sedutor. Paulo chega a afirmar, em outra de suas epístolas, que o nosso velho homem foi crucificado com Cristo “a fim de que não sirvamos ao pecado” (Rm 6.6a). Assim, a natureza pecaminosa, antes absoluta, agora tem como adversário o Espírito Santo, e por ele pode-se “aguardar a esperança da justiça que provém da fé” (5.5).

8. Na cruz de Cristo está simbolizado o rompimento do pecador com o pecado. É o que Paulo afirma com uma forte declaração: “Os que são de Cristo Jesus, crucificaram a carne com as paixões e concupiscências” (5.24). A ação descrita, “crucificaram”, aponta para a decisão tomada de deixar o pecado (arrependimento), pelo abandono consciente da prática pecaminosa, como um princípio de vida. Sem essa constatação, pode-se colocar em dúvida se houve de fato a crucificação do pecado: “Aquele que é nascido de Deus não peca habitualmente; porque a semente de Deus permanece nele, e não pode continuar no pecado, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9).

9. A certeza da crucificação do pecado para o cristão deve ser diretamente proporcional à fé que este diz ter em Jesus. Esperar em Cristo, segundo o escritor aos Hebreus é “âncora da alma, segura e firme” (Hb 6.19). Uma fé descrita com tamanha realidade deve levar o cristão ao comprometimento cada vez maior com Cristo, mostrando, assim, seu caráter transformado pela renúncia completa da velha vida.

10. De tudo o que se escreveu até aqui, ressalte-se o fato de que a cruz tem como papel principal abrir uma porta de comunicação com Deus, e com o próximo. É comprovada a afirmação de que o pecado desvirtuou, desorientou, separou o homem de seu Criador. Na cruz, Deus está nos chamando de volta. Pela eficácia da cruz, podemos ter “ousadia... pelo sangue de Jesus, pelo caminho novo e vivo que ele nos inaugurou...” (Hb 10.19a,20a). Pela glória da cruz podemos nos achegar “com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência...” (Hb 10.22).

11. A cruz anuncia a morte, é verdade, mas como um princípio de vida. Lá, Cristo, o sacerdote perfeito, morreu como o sacrifício perfeito, para nos conceder a vida eterna, pois a cruz não conseguiu detê-lo: “...Jesus, autor e consumador da nossa fé, o qual... suportou a cruz... e está assentado à direita de Deus” (Hb 12.2). A cruz anuncia a morte do mundo, a morte da influência destruidora do pecado. Tal qual um tanque de guerra atravessando as linhas inimigas, imponente, o pecado tem trazido muita desolação e tristeza. Mas a cruz de Cristo pôs fim a essa epopéia. Enfim, a cruz de Cristo anuncia a morte do nosso “eu”, do nosso querer, sempre contrário a Deus, sempre infiel e decepcionante. Só assim, quando morremos para o pecado, é que o Redentor pode viver em nós.

12. Mas de nada adiantam cruzes ou crucifixos, se não nos deixarmos crucificar! Precisamos assumir um morrer diário com Cristo, como afirmou Paulo: “Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, pois quanto a ter morrido, de uma vez por todas morreu para o pecado, mas quanto a viver, vive para Deus” (Rm 6.8,10). E então? É assim que temos experimentado a cruz de Cristo? Como uma experiência de vitória contra o pecado, a morte e o mal? Pois é o que Deus espera de cada cristão, que sejam “crucificados com Cristo” para a glória de Deus.

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