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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Libertos para servir: reflexões sobre o prazer no serviço a Deus

Capítulo XVIII

DISCIPLINA
na igreja

1. Um dos temas mais difíceis para nós, irmãos, os que exercemos o pastorado, é a administração da disciplina na igreja. Isso se dá por causa de vários fatores, dentre os quais poderia facilmente enumerar alguns, para explicar a natureza da complexidade a que me refiro:

2. Comecemos, por exemplo, pela percepção do senso comum de que uma atitude disciplinar é sempre uma ação hierárquica na igreja, ou seja, que vem de cima para baixo, do pastor para o membro, de quem manda para quem obedece. Vale a pensa ressaltar que ao contrário, quem disciplina é o próprio Deus, pela instrumentalidade do corpo local, a igreja, pela orientação da Palavra e do Espírito Santo, e não o pastor da igreja.

3. Outro fator problemático é que, como homens modernos (e mulheres também), somos indivíduos fragilizados e desestabilizados, sem o apoio das normas sociais e das referências coletivas. Vivemos de acordo com uma norma pessoal do que seja certo ou errado, seguimos nossos próprios códigos de conduta. Explico: ser membro de uma igreja pressupõe o entendimento mais ou menos uniforme sobre que atitudes são positivas, ou seja, reforçam o ensinamento bíblico e dignificam a igreja perante a opinião pública. Mas o que fazemos? Não fazemos outra coisa senão fazer o que queremos, do jeito que queremos, quando queremos, sem dar a mínima importância à imagem do grupo ao qual representamos. Sem querer, acabamos por impedir o progresso do evangelho por causa de um mau testemunho para com a congregação à qual pertencemos.

4. Mas o fator preponderante para a necessidade da disciplina na igreja, isso tanto em nível pessoal como em nível social, é o re-impacto da natureza pecaminosa na esfera da igreja, provocando a indisciplina, que, muitas vezes, se disfarça nas atitudes de desdém e de solidão impostos ao pastor, o líder espiritual da igreja, ou mesmo às lideranças dos departamentos.

5. A disciplina na igreja tem a ver com a verdade do evangelho. Pelo menos é isso que fica aparente na pergunta que Paulo faz as gálatas: “Tornei-me acaso vosso inimigo porque vos disse a verdade?” (4.16). Precisamos nos disciplinar (doutrinar, padronizar, uniformizar) pela verdade do evangelho, que nos alcançou “até que Cristo seja formado em...” cada um de nós (4.19b). O problema disciplinar na igreja na Galácia foi que deixaram de “obedecer à verdade” do evangelho, preferindo a justificação por méritos pessoais, como aqueles que pretendem ter seu próprio guia de conduta acima descritos (5.7).

6. A disciplina na igreja tem sua norma, lei, padrão de conduta nas Escrituras. Isto se pode perceber na pergunta de Paulo: “Que diz, porém, a Escritura?” (4.30a). Uma igreja disciplinada não é aquela que obedece ao pastor às cegas, mas que obedece à Palavra de Deus, o livro-texto do comportamento cristão.

7. A disciplina na igreja precisa ser exercida com espiritualidade (6.1a). Paulo tem em mente os motivos do ato disciplinar, que não são carnais (vindos de nosso julgamento humano, por natureza preconcebidos e preconceituosos), mas nos chegam pela orientação do Espírito. Ser um cristão espiritual significa ouvir a voz de Deus, exercitar a fé e a confiança nas instruções que nos são reveladas nas Escrituras. Afirmo, com pesar, que nós, cristãos, erramos com plena consciência de nossos erros, pois o Espírito de Deus, que habita em nós, tem como missão principal nos “convencer do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16.8).

8. A disciplina na igreja precisa ser realizada com gentileza e educação (6.1b). Isso é traduzido em nossas Bíblias “mansidão”. Assim, a regra bíblica para o ato disciplinar tem a ver com a forma de administrar a disciplina. Exemplos atuais de como um processo disciplinar degenerou-se em rebelião e desordem podem ser encontrados, não só em nossa congregação, mas em qualquer outra, por causa da não observância desse simples critério. Os resultados de uma disciplina arrogante são drásticos e as marcas levam anos para serem cicatrizadas. Não me refiro à arrogância do líder apenas, mas também à arrogância das ovelhas. Ambos são necessários no ato disciplinar: pastor e ovelhas, uma vez que a disciplina é exercida pela assembléia.

9. A disciplina na igreja deve ser administrada pela congregação com humildade (6.3). Lembro aqui, abrindo um parêntese para dialogar com a história do Brasil, que a herança colonial portuguesa nos dividiu em classes e nos fez pensar que alguns são superiores aos outros. Os reflexos disso são transparentes na sociedade brasileira, em que alguns se sentem superiores, enquanto que outros se sentem inferiores. Na igreja, aprendemos que somos todos iguais perante Deus. O que nos iguala é a nossa humanidade pecadora, que carece e depende do agir divino. Por isso, Paulo chega a dizer que “se alguém pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo” (6.3), ou seja, não temos condições de julgar o nosso irmão. Disciplina, portanto, não é um ato de julgamento, mas um princípio salutar, ao qual podemos e devemos todos nos submeter.

10. A tarefa de disciplinar não é fácil, quando precisa seguir as orientações aqui expostas. Muito embora, da maneira como Paulo nos orienta, ela seja ocasião de crescimento espiritual, tanto para o indivíduo como para a igreja. Em geral, o desejo pastoral para com a igreja é a adoção de um viver cristão disciplinado, seja no âmbito individual ou social. A obediência aos princípios bíblicos promove a disciplina organizada.

11. A disciplina é um exercício prático de submeter nossa consciência aos ditames da Palavra de Deus. A melhor maneira para o pastor ajudar no processo disciplinar da igreja, a meu ver, é por meio do ensino e da pregação, mas, às vezes, também pelo aconselhamento. Geralmente, a atuação disciplinar da liderança pastoral produz dois tipos de comportamentos: no caso dos crentes que se deixam disciplinar, um agir consciente em prol da causa de Cristo; no caso daqueles que preferem viver por seus próprios códigos, a rebeldia voluntária.

12. Para haver disciplina é preciso haver uma norma que esteja acima de nós. No meu caso, há tempos decidi que a norma é a Palavra de Deus, que ela está acima de mim e de meus juízos morais, hoje entorpecidos pelo relativismo ético da sociedade moderna. Foi o tempo em que éramos conhecidos como “os Bíblia”... Hoje, os evangélicos proeminentes (da TV, rádio e internet) apresentam suas próprias idiosincrasias e desafiam os fiéis a seguirem seus passos. Nossa cultura evangélica mudou. A fé desses homens está associada com o dinheiro, a prosperidade, as declarações de vitória material, a ausência de doenças, a não aceitação dos efeitos reais do pecado na existência cristã. De fato, quem deseja viver a experiência cristã de modo disciplinado precisa se voltar para uma fé “bíblica”. Fé bíblica é aquela produzida pelo Espírito Santo em nosso interior, que testemunha de Jesus Cristo, do seu amor e de sua misericórdia, de sua constante atuação como advogado de nossas causas. Fé bíblica é aquela que está em constante crescimento, pois leva o cristão a um autoexame. Fé bíblica é pessoal, libertária, conjugada com a prática, racional e cujo padrão é o próprio Cristo, presente em nosso interior pela habitação do Espírito. Deixemos, portanto, que a Palavra se cumpra em vossa vida, de modo disciplinado, como afirma Paulo: “Pois toda a lei se cumpre numa só palavra, a saber: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (5.14).

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