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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A igreja modelo: reflexões sobre como viver e divulgar a fé

Comentário de 1Tessalonicenses
Capítulo I

"Primeiras impressões"
Notas sobre a abertura da carta (1Tessalonicenses 1.1)

1. Um dos fatos impressionantes da abertura das duas cartas de Paulo aos Tessalonicenses é que ele se apresenta pura e simplesmente como “Paulo...” (1Ts 1.1a). Ele não sente necessidade de complementar seu nome com as expressões usuais: apóstolo, servo de Jesus Cristo etc. Isso nos leva a duas conclusões: Primeiramente, Paulo e a igreja em Tessalônica tinham uma relação muito especial; ele era aceito e querido pela comunidade cristã naquela cidade. Segundo, não havia transcorrido muito tempo entre a origem da igreja e a produção da carta. Não transcorreu tempo suficiente para que os adversários de Paulo arregimentassem forças para interferir no trabalho apostólico ali.

2. A breve passagem de Paulo por Tessalônica está relatada em Atos 17, durante a segunda viagem missionária do apóstolo (por volta de 49 a 52 d.C.). Afirma-se em Atos que Paulo e Silas pregam na sinagoga judaica por três sábados consecutivos e muitos gentios se convertem. Paulo e Silas passam a ser, então, perseguidos pela comunidade judaica. Mas o trabalho trouxe frutos: O macedônio Aristarco (do grego “o melhor líder”), habitante de Tessalônica, uma vez convertido, tornou-se companheiro de viagem de Paulo e amigo fiel. Aristarco acompanhou Paulo em viagem para Éfeso (At 29.29), pela Ásia (At 20.4,6) e chegou a ser preso juntamente com ele, por pregar o evangelho (Cl 4.10; Fm 1.24).

3. O processo de escrever cartas contava, às vezes, com colaboradores. Havia secretários e portadores. Inácio de Antioquia, por exemplo, que escreveu cartas às comunidades cristãs no início do século II, orienta o bispo de Esmirna, Policarpo, a enviar andarilhos para contar as novas cristãs às demais igrejas e a enviar epístolas(1). Um exemplo bíblico é Tércio, o secretário de Paulo na redação de Romanos (Rm 16.22).

4. O “andarilhos” citados nessa epístola são “...Silvano e Timóteo” (1Ts 1.1b), companheiros de Paulo em suas viagens missionárias. Para alguns, Silvano (também conhecido no Novo Testamento pelo nome Silas) teria sido secretário (amanuense) de Paulo, principalmente, por causa da possível enfermidade na visão do apóstolo. Mas não há consenso em relação a isso. Silas se faz presente na vida de Paulo desde a decisão do concílio de Jerusalém, onde foi descrito como “profeta” e homem “influente entre os irmãos em Jerusalém” (At 15). Silas acompanhou Paulo no início de sua missão cristã como pregador e foi partícipe de suas prisões e tribulações. Timóteo é o portador da carta aos Tessalonicenses, pelo que indica a frase de Paulo: “Pelo que, não podendo mais suportar o cuidado por vós, achamos por bem ficar sozinhos em Atenas, e enviamos Timóteo, nosso irmão, e ministro de Deus no evangelho de Cristo...” (1Ts 3.1,2a).

5. A carta foi escrita “à igreja dos tessalonicenses” (1Ts 1.1c). Ao usar a palavra grega “ekklesia” (igreja, congregação), cujo significado básico é a reunião de cidadãos gregos para discutir seus negócios, Paulo lhe dá um significado original: refere-se aos cidadãos de Tessalônica que, ouvindo a pregação do evangelho, creram e, assim, foram unidos a Deus por Jesus Cristo.

6. Tessalônica era a capital da província romana de Macedônia. James Denney(2) afirma que a cidade era, naquela época, um importante centro cultural com uma população mista de gregos, romanos e judeus. Silvério Zedda(3) destaca a importância comercial da cidade, graças ao seu porto e suas vias de comunicação. Ela ficava na rota da Via Ignácia, que ligava a província romana da Itália ao Oriente. Atualmente, é chamada Salônica ou Tessalônica, e fica no interior do golfo de Salônica. É a segunda cidade da Grécia em concentração demográfica, perdendo, apenas, para Atenas. Sua população religiosa é de judeus, cristãos e muçulmanos. No decorrer da Idade Média, pertenceu à República de Veneza e, no século XV, ao império otomano. Atualmente, podem-se ver escavações antigas da Ágora (praça) romana nessa importante cidade grega.

7. À época da produção dessa carta, a população da cidade de Tessalônica era, prioritariamente, de gentios, mas contava, também, com uma comunidade judaica bem zelosa da tradição mosaica e que possuía uma sinagoga (At 17.1). Paulo tinha por costume pregar nas sinagogas judaicas por onde passava. Em Tessalônica, os que se converteram, formaram o núcleo da igreja cristã (At 17. 1-13).

8. A religiosidade dos cidadãos de Tessalônica segue o padrão do mundo grego, ou seja, é marcada fortemente pela idolatria (1Ts 1.9). Repercute, também, no que se refere ao papel da mulher na religião cristã, a conversão de “...não poucas mulheres de posição” (At 17.4b) na cidade.

9. No primeiro versículo de 1Tessalonicenses, Paulo descreve a relação de comunhão da igreja com Deus na frase “em  Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1Ts 1.1d). Convém explicar que Paulo procura afirmar a equivalência das pessoas do Pai e do Filho na obra da salvação. Ou seja, Cristo, o eterno Filho de Deus, é o Mediador da reconciliação dos tessalonicenses com Deus. Francis Foulkes comenta a saudação das cartas paulinas dizendo que “escritor e leitores são mencionados a partir do ponto de vista do seu relacionamento com Deus em Cristo.” (4)   

10. Aquela igreja encontrava-se numa atitude espiritual correta, depois de terem se convertido “dos ídolos a Deus” (1.9). O que difere a ekklesia (igreja, congregação) em Tessalônica das demais agremiações ou instituições de caráter coletivo é sua posição “em Deus Pai”. Só a igreja de Cristo ocupa essa posição. Isso fica evidente no versículo 3. A paternidade divina é um importante conceito teológico para o apóstolo Paulo (Rm 8.15,23; Gl 4.5; Ef 1.5). A Primeira Pessoa da Trindade é o autor do plano eterno da salvação. O Filho é o Mediador da aliança. Podemos orar e clamar ao nosso Pai (no aramaico “Aba”, papai querido) pela mediação do Espírito Santo, porque somos seus filhos amados, pela fé em Jesus Cristo.

11. É uma declaração corajosa de Paulo chamar Jesus de “kurios” (do grego, Senhor) (1Ts 1.1e). Numa época em que um império se achava “dono do mundo” e cujo líder máximo se intitulava “kurios”, para atestar sua soberania e status divino, afirmar que Jesus é “Senhor” soava como um ato de traição. Era o mesmo que afirmar que Cristo está acima de todo o principado, e potestade, e poder e domínio. Por essa razão, eram frequentes as ameaças de morte ao apóstolo, pelos cidadãos locais nas províncias romanas onde Paulo pregou. 

12. A palavra grega charein (saudação) era a forma usual de abertura das cartas naquele período. Paulo usa charis (graça, favor imerecido) e eirene (paz) para saudar os cristãos. Gundry (Panorama do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, p. 300) observa que “Paulo combinou a típica saudação grega, em forma cristã modificada (graça) com a típica saudação semítica (paz).” Com isso, destacava a inclinação do favor divino de salvá-los por meio de Jesus Cristo e, também, afirmava a condição de reconciliação com Deus por eles alcançada.


NOTAS:
(1) CASTRO, Roberto C. G. Revista Internacional d´Humanitats 14 CEMOrOc-Feusp / Núcleo Humanidades-ESDC / Univ. Autónoma de Barcelona - 2008
(2) DENNEY, James. The Epistles of the Tessalonians. London: Hodder and Straugh, 1906.
(3) ZEDDA, Silvério. Introdução à Bíblia. Cap. 1: O mundo greco-romano no tempo dos apóstolos. p. 30.
(4) FOULKES, Francis. Efésios: introdução e comentário. São Paulo: Mundo cristão, p. 37.

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