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segunda-feira, 15 de março de 2010

A IGREJA-MODELO: reflexões sobre como viver e divulgar a fé



Capítulo 6
A transmissão do evangelho
(Palavra de Poder e convicção, acompanhada do testemunho pessoal - 1Ts 1.5)


1. Quando leio Paulo escrevendo sobre “nosso evangelho” (1Ts 1.5) ou “meu” evangelho (2Tm 2.8), me pergunto: Existe uma apropriação do evangelho pelo pregador, de tal maneira que fale sobre ele em termos de posse? Com toda certeza, não.


2. Paulo descreve a natureza do evangelho (a boa nova da salvação, em Cristo Jesus) pelo uso de alguns complementos:

- Quando quer falar da origem do evangelho, seus complementos prediletos são: de Deus, de seu Filho, de Cristo.
- Ao falar do propósito do evangelho, descreve-o como de paz ou reconciliação (Rm 10.15; Ef 6.15) e da salvação (Ef 1.13).
- E quando fala do direcionamento do evangelho, na sua missão, descreve-o como da incircuncisão, ou seja, dirigido ao mundo gentílico (Gl 2.7).


3. O evangelho deve ser ministrado, anunciado, pregado. Mas ele pode, também, ser transformado ou pervertido (Gl 1.7). Por isso, “nosso evangelho” é uma designação da relação íntima e verdadeira com a mensagem cristã.  Identifica o mensageiro como alguém “aprovado por Deus” (1Ts 2.4) para transmitir a mensagem de salvação.


4. A transmissão do evangelho era feita diante de muitas dificuldades. Paulo descreve em 1Tessalonicenses que precisou superar muitos obstáculos e de coragem para pregar o evangelho naquela cidade idólatra. Sua viagem pela província romana da Macedônia deu seu primeiro fruto na cidade de Filipos. A narrativa de Atos 16 fala de sua prisão por causa da exposição do evangelho. A acusação: “E nos expõem costumes que nos não é lícito receber nem praticar, visto que somos romanos” (16.21). Pregar a conversão ao “Senhor” Jesus Cristo era uma afronta direta ao regime romano, cujo elemento principal, naquela época, era o imperador Claudio.


5. Em 1Tessalonicenses 2.2, Paulo diz ter sido, junto com Silas, “agravados em Filipos” , mas, ainda assim, ele não recua diante da batalha que estava por enfrentar em Tessalônica: “...tornamo-nos ousados em nosso Deus, para vos falar o evangelho de Deus com grande combate”. Lucas descreve uma turba de cidadãos de Filipos rasgando as vestes do apóstolo e dando-lhes chicotadas, antes de o colocarem na prisão (At 16.22,23). A região em que Paulo e Silas estavam presos sentiu um tremor de terra tão forte que abalou a estrutura da prisão em que eles estavam. Na ocasião, Deus usou Paulo e Silas para a conversão do carcereiro e sua família. Os magistrados locais, receosos de represálias por terem aprisionado cidadãos romanos, foram obrigados a soltá-los. Eles viajaram cerca de 150km em direção a sudeste, até Tessalônica, onde enfrentaram, também, a perseguição dos judeus helenistas.


6. Não há como discordar que o enfrentamento das perseguições movidas pelos ímpios contra o evangelho é mais fácil na companhia de amigos e irmãos na fé. Assim, entendo que “nosso evangelho” (1Ts 1.4) é uma indicação de esforço conjunto e cooperação. Entre os Tessalonicenses, Paulo não trabalhou sozinho: “E enviamos Timóteo, nosso irmão, e ministro de Deus, e nosso cooperador no evangelho de Cristo” (1Ts 3.2).


7. Mas é no capítulo 2 que Paulo desenvolve os argumentos em prol da seriedade da transmissão do evangelho. No versículo 2, Paulo define a pregação como “exortação” (do grego paraklesis): “palavra de encorajamento, consolo”, mas, também, apelo à salvação, tal qual fazem os pregadores, hoje, no fim de suas mensagens. É uma exortação “em Cristo” (Fp 2.1a).


8. Paulo insiste que sua exortação evangélica difere dos discursos vários, naquela comunidade, que tinham o propósito de enganar, ludibriar. Lembremos que, na cidade de Filipos, de onde Paulo viera, ele encontrou uma jovem escrava, que tinha espírito de adivinhação, e que dava grande lucro aos seus senhores (At 16.17,18). Seus problemas começaram ali, quando a libertou e deixou os negociantes da fé sem expectativas de lucro. Com certeza, numa cidade idólatra como Tessalônica, a situação se repetia: o uso econômico do discurso religioso com o propósito de enganar. Ao se diferençar dos demais, Paulo denunciava, assim, as religiões que se apropriavam da superstição dos tessalonicenses em troca de interesses econômicos. John Eadie, comentando o texto grego da epístola, diz que Paulo usou a linguagem como veículo de comunicação, mas sua mensagem ia além da materialidade do discurso: a vitalidade e o poder do Espírito caracterizavam seu discurso(1).


9. Paulo apresenta dois perigos para a transmissão do evangelho: a lisonja e a ganância: “Pois, nunca usamos de palavras lisonjeiras,  como  sabeis,  nem  agimos com intuitos gananciosos” (1Ts 2.5). Lisonja, do grego kolakeias, é bajular, adular com baixeza. Soa assim, muitas vezes, o discurso político, que tem interesses escusos por detrás de cada argumento. Ganância, do grego pleonexia, é a avareza e, também, o forçar alguém a fazer alguma coisa. Paulo apela para o testemunho de Deus, no tocante ao desinteresse econômico de sua pregação. Ele fez questão de ganhar seu próprio sustento, durante o mês em que ficou entre os tessalonicenses: “Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e de como, noite e dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos proclamamos o evangelho de Deus” (2Ts 2.9).


10. Em 1Tessalonicenses 2.7, Paulo fala da transmissão do evangelho com “brandura”(2), ou seja, sem aterrorizar nem forçar o pecador. Tudo indica que Paulo usava da conversação coloquial e da intimidade familiar. Indica, também, sabedoria para apresentar o evangelho num ambiente de oposição. No versículo 8, Paulo faz um comentário interessante: junto com o evangelho que pregava, desejava comunicar sua alma: “Assim nós, sendo-vos tão afeiçoados, de boa vontade desejávamos comunicar-vos não somente o evangelho de Deus, mas  ainda  as  nossas próprias almas”. Isso mostra, claramente, a conexão profunda entre a mensagem pregada e a mensagem vivida.


11.  Retomando, aqui, a afirmação paulina em 1Tessalonicenses 1.5, chegamos à conclusão que ao discurso religioso não pode faltar poder, que advém do Espírito de Deus que comunica a verdade ao pregador. O pregador do evangelho discursa “em poder, e no Espírito Santo” (1Ts 1.5b). Aprendo com Paulo que Deus discursa através de nós, usando-nos, como vasos de barro: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não da nossa parte” (2Co 4.7). Também, ao que transmite o evangelho da salvação, não pode faltar “plena convicção” (do grego pleroforia, “convicção”, “certeza absoluta”). Tal certeza envolve três aspectos: convicção de ter sido chamado por Deus para a tarefa a ser realizada; certeza da verdade plena da mensagem a ser apresentada e, também, convicção plena de que Deus é poderoso para cumprir cabalmente suas promessas.


12. Paulo deixa lições preciosas para que saibamos enfrentar os obstáculos à pregação do verdadeiro evangelho: primeiro, sejamos companheiros dos que pelejam pelo evangelho. Isso significa apoiar física, emocional e espiritualmente. Segundo, preguemos para encorajar e consolar, oferecendo com o ensino evangélico alívio para a alma consumida pelo pecado. Por fim, preguemos com ternura e plena convicção do poder de Deus para transformar o  pecador, pela fé no Cristo de Deus(3).   
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(1) EADIE, John. A commentary of the greek text of the epistles of Paul to the Tessalonians. London: Macmillan. Texto clássico, em versão digital.
(2) Algumas versões trazem a palavra grega nepioi, traduzindo: “tornei-me criança no meio de vós”, mas brandura, do grego epioi, harmoniza melhor com o contexto.
(3) Matthew Henry destaca, em seu comentário bíblico (CPAD, p. 1013), que “o evangelho de Cristo está concebido de modo a mortificar os afetos corruptos, e para que os homens possam ser levados a submeterem-se ao poder da fé”.

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